5.2.04

Isto não é um conto



Imaginem esta situação. A polícia localiza um conhecido facínora. Ele tenta escapar, é baleado e morre.

A polícia afirma que agiu em legítima defesa, porque o indivíduo estava armado e ameaçara disparar.

Faz-se um inquérito. Prova-se que ele não tinha nenhuma arma. A polícia é acusada de ter mentido.

Responde o comandante da polícia: «Mas digam lá se não estamos todos mais seguros com ele morto?»

Esta história não vos faz lembrar as justificações retroactivas da guerra preventiva contra a pretensa ameaça das armas iraquianas de destruição massiva?

Eu posso dizer que sou dos tais que se sentem enganados porque, na altura, hesitei bastante entre o apoio e a condenação à guerra.

Acho a guerra preventiva um mau princípio, mas não excluo que às vezes possa ser necessária. Não acreditava que o Saddam tivesse algo que ver com o Bin Laden e o 11 de Setembro, mas pensava que a possível existência de armas de destruição massiva não deveria ser ignorada. Além disso, pareceu-me que a posição ilógica da França, ao reforçar o sentimento de impunidade do Saddam, tornava a guerra inevitável.

Numa palavra: acordava anti-guerra e adormecia a pensar que talvez fosse o menor dos males.

Está hoje claro que tudo não passou de um enorme embuste, a tal ponto que os arrogantes de ontem argumentam agora humildemente que se enganaram para não terem que confessar que mentiram. A batata quente foi passada para os serviços secretos para baralhar a questão até que ninguém compreenda nada do que se passou.

(Este tema da intervenção dos serviços secretos seria interessante, mas fica para outro post.)

Agora quero referir-me, nem que seja brevemente, ao argumento segundo o qual o mundo estaria mais seguro com Saddam deposto e aprisionado.

Nem isso! O mundo está mais perigoso, porque o terrorismo tem hoje maior aceitação popular no Médio Oriente e noutras partes do mundo, porque os países ocidentais se dividiram, talvez irremediavelmente, porque os povos das democracias confiam menos nos seus líderes, porque a ONU sofreu um rude golpe, porque o frágil direito internacional foi espezinhado, porque a doutrina do mais forte conquistou adeptos, porque a liberdade de expressão foi fortemente condicionada nalguns países, porque passou-se a achar normal a detenção por tempo ilimitado sem culpa forma, porque se tornou menos clara a fronteira entre a verdade e a mentira.

Finalmente: quando um dia for de facto indispensável usar a força por uma boa causa, a maioria vai recusar o seu apoio.

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