14.2.04

Vida social



Este é o casamento do rico banqueiro italiano Michele Arnolfini, estabelecido em Brugges (cidade à época integrada no ducado da Borgonha, uma das grandes potências europeias do século XV), com uma moça atraente mas de fracas posses. O facto de o noivo estender à noiva a sua mão esquerda, em vez da direita, indica que se trata de um casamento morganástico. Caso ficasse viúva, a esposa não herdaria os bens do falecido, embora tivesse direito a uma compensação.

Não, a rapariga não está grávida: na época usavam-se estas vestes que comprimiam o peito e dilatavam o ventre. O matrimónio celebrava-se dentro de casa, não na igreja, e não era necessário um padre para abençoá-lo. Só depois do concílio de Trento se alterarm esses costumes.

As noivas também não trajavam de branco. O luxo de mandar fazer fatiotas especialmente para usar uma só vez -- vendo bem as coisas, uma ideia completamente demente, mesmo para gente de posses, e uma forma de ostentação que a Igreja deveria activamente condenar -- apenas surgiu muito mais tarde. Quanto à ideia de pôr as noivas a trajar de branco, está bom de ver que teve inspiração romântica. Não entrou nos hábitos antes da segunda metade do século XIX.

A cerimónia, realizada em 1434, tem lugar no quarto de dormir, visto que nem os ricos burgueses tinham uma sala de estar: era ali mesmo, portanto, que recebiam as visitas.

O quadro está repleto de símbolos de riqueza: o vestuário luxuoso dos noivos, a grande cama de dossel, as janelas envidraçadas, o enorme candelabro, o assento de madeira coberto de almofadas, o espelho de vidro convexo na parede do fundo, as laranjas sobre o baú e o parapeito da janela. Hoje em dia, só as peles que debruam a capa do homem caberiam nessa categoria.

Mas o maior símbolo de status é o próprio quadro que representa o evento, porque contratar um pintor como Jan van Eyck, usualmente ao serviço do próprio Duque da Borgonha, Filipe o Bom, custava uma nota preta e não era coisa para qualquer um.
Nos dias de hoje, chama-se a Caras e assegura-se a publicidade adequada de um matrimónio com aspirações a acontecimento social. É claro que o impacto não é tão poderoso, é claro que ninguém vai falar dos retratos daqui a cinco séculos, mas esse é o preço de a fama estar, embora em doses moderadas e por tempo escasso, ao alcance de qualquer um.

A coisa mais importante na pintura é a assinatura do autor, tal como o mais importante de certas marcas de roupa é a possibilidade de ostentar de forma bem visível o seu logotipo. Profundo conhecedor dos gostos e preferências deste segmento do mercado, Jan van Eyck chapou o seu nome mesmo no meio da obra. Assim:




Sem comentários: