9.12.05

"Rice satisfez Bruxelas com garantia que EUA não torturam" (Público, 9.12.05)

Este é, para mim, o título mais perturbador do ano.

Só os excessivamente ingénuos ignoram que a tortura pode ocorrer - e, por isso, uma vez por outra, ocorre mesmo - no seio das democracias liberais mais respeitadas.

Resta-nos a consolação de saber que, quando tal monstruosidade se verifica, ela só pode, por regra, ter lugar à revelia dos poderes instituídos ou nas margens do sistema.

O que agora se passou nos EUA não foi isso. Ouvimos o Director da CIA pôr em dúvida que a asfixia seja tortura. Lemos opiniões de doutos juízes americanos invocando a "guerra contra o terror" para justificar procedimentos excepcionais de interrogatório. Soubemos que o Presidente Bush se propõe vetar uma deliberação banindo explicitamente a tortura proposta na Câmara dos Representantes por John McCain, ele próprio torturado como prisioneiro de guerra no Vietname do Norte.

Foi tudo isso que tornou necessária essa extraordinária declaração de Condoleezza Rice garantindo que a América não recorre à tortura.

E nós, iremos acreditar, tendo em conta que o seu discurso parece redigido por uma equipa de advogados sabidolas que cuidou vírgula a vírgula de não mentir sem todavia dizer a verdade toda?

Esta declaração seria uma coisa normal - e até positiva - se tivesse sido arrancada à China, a Cuba ou à Coreia do Norte. Vinda dos EUA, e nos termos em que foi feita, é um embaraço para todo o mundo civilizado.

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