21.3.08

Produtividade



De regresso do liceu, disse-me o Manuel João ao passarmos por um calceteiro: "Enquanto houver escravos em Portugal há-de haver calceteiros". O comentário, saído da boca de um miúdo de 11 anos, surpreendeu-me tanto que nunca mais o esqueci. Um ano depois, o pai dele foi preso pela PIDE.

A calçada à portuguesa é um resquício de tempos de escravatura e servidão. Muitas pessoas acham muito típico e bonito. Se abrissem os olhos veriam antes passeios permanentemente esburacados, lesões nas pernas dos transeuntes e saltos de sapatos de senhoras rebentados.

É natural, visto que, mesmo baixos, os actuais salários dos calceteiros são demasiado dispendiosos para permitirem a adequada conservação da calçada à portuguesa. Reparem: as pedras de calcário são facetadas, alinhadas e colocadas uma a uma; a postura do trabalhador é desconfortável em extremo, o que o força a interromper a sua tarefa de vez em quando; no final, ainda é preciso calcar as pedras sobre a cama de areia.

Comecem a fazer as contas a quanto custa o metro quadrado de calçada à portuguesa. Uma loucura, evidentemente.

Em muitas cidades do Norte do país, a calçada à portuguesa só se mantém nas suas zonas nobres. A tradição é mantida valorizando esteticamente as principais praças e artérias e a sua conservação é cuidada.

Lisboa, porém, apesar do descalabro financeiro da autarquia, permanece apegada a uma prática que desfeia os passeios, castiga os músculos dos transeuntes e pesa desnecessariamente sobre as despesas camarárias. O que será preciso para que finalmente alguém abra os olhos e ponha termo ao disparate?

Quando, à frente de todos, se evidencia uma tão evidente desprecupação com a produtividade, como duvidar que quem nos governa não decidiu ainda declarar guerra ao desperdício?

2 comentários:

Anónimo disse...

A arte é algo inútil?
Deverá ser considerada desperdício?
Talvez, mas apenas segundo pontos de vista de um completo atraso mental.

Anónimo disse...

é muito triste saber que ainda existen pessoas tao dementes...