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Fiz há tempos notar a uma turma que, tendo o produto per capita duplicado nos últimos 30 anos e permanecendo a população do país estável, isso significa que Portugal é hoje duas vezes mais rico.
Os alunos reagiram quase unanimemente com absoluta incredulidade: "Talvez, mas está tudo muito mais caro...", foi o comentário mais racional que escutei.
Expliquei-lhes que o efeito da inflação já está descontado nos cálculos que lhes citara, mas eles não se comoveram com a garantia. Alguns até terão ficado a pensar para consigo: "Que cromo este que nos saiu na rifa!"
Entendamo-nos: as pessoas comuns não gastam tempo a estudar as estatísticas do INE. O que julgam saber sobre o estado da economia e da sociedade aprendem-no em grande parte na televisão, na rádio e na imprensa.
Elas não inventaram nas suas cabeças que o pais está pior do que antes do 25 de Abril. Ouviram essa pérola de alegada sabedoria e reproduziram-na no momento apropriado.
Acresce que o que as pessoas mais desejam é lograrem a aprovação social repetindo aquele género de coisas que toda a gente diz.
Ora, em Portugal, o discurso do fatal "empobrecimento" colectivo cai sempre bem. Não são só as velhinhas que o declaram aos ansiosos repórteres da televisão de cada vez que sobe o preço do tremoço.
Alegadas grandes cabeças pensantes como Vasco Pulido Valente insistem semanalmente na tecla durante décadas a fio sem receio de serem desmentidas pelos seus pares.
Não é por acaso que, nos inquéritos de conjuntura, é sempre maior o número de pessoas que acham que os outros estão a viver pior do que aquelas que declaram viver elas próprias pior.
Se a sondagem do Farol prova alguma coisa, é apenas que a nossa opinião pública se encontra submetida a uma feroz ditadura de palermas.
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20.1.11
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5 comentários:
como estamos na era do pensar e da electrónica que se estão a multiplicar exponencialmente, olhar para traz não dá conforto. Mais do que nunca são as expectativas sobre o futuro que interessam e as probabilidades da sua realização.
Quanto aos média e aos jornalistas estou de acordo são uma merda
Também se pode dizer numa população de duas pessoas, que se eu comer um frango e tu não, per cápita comemos meio frango. Resta saber porque será que há tantas cápitas a sentirem-se mais pobres...
Mas na verdade, os seus alunos (e as pessoas que acreditam nos media) podem ter razão na sua incredulidade. Não que o que disse seja mentira, mas não tem grande relevância.
Não interessa muito que o país esteja mais rico do que há 30 anos atrás em termos absolutos, o que importa é a comparação com os nossos pares (por exemplo, na União Europeia). Estamos duas vezes mais ricos que há 30 anos, mas isso não será miserável em comparação com o crescimento de países como a Alemanha ou Inglaterra no mesmo espaço de tempo?
Não digo (obviamente) que o país está pior do que antes do 25 de Abril (nem nunca ouvi a comunicação social dizer tal coisa), mas é um facto que continuamos na merda e isso não é nenhuma ilusão fruto de uma ditadura de palermas.
Rolando Furioso: Não estou a discutir o que "dá conforto"; a pergunta era sobre a relação entre hoje e o passado. Também sei que a riqueza económica não é tudo em matéria de bem-estar, mas acontece que no que toca a indicadores sociais a melhoria ainda foi mais espectacular.
Anónimo: Apesar das desigualdades, há mais frangos também para os mais pobres. Aliás, até há pizzas e hambúrgueres.
Chinfrim: Porque é que "o que importa é a comparação com os nossos pares?" Dito isto, também melhorámos muito em termos relativos. Isso é outra coisa que se faz por ignorar.
La Palice, meu caro prof
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