30.11.04

A segunda vinda do messias

No estado em que o país se encontra, parece claro que quem se chegar à frente e apontar um rumo tem todas as condições para levar toda a gente atrás.

Com o seu indiscutível sentido da oportunidade política, Cavaco acaba de dar esse passo. Com o artigo do Expresso de sábado, Cavaco passou o seu Rubicão e assumiu irreversivelmente que, por ele, os dados estão lançados. O projecto, agora, é conquistar a Presidência da República para, a partir daí, refundar o PSD e criar condições para poder voltar a disputar a maioria eleitoral ao PS. Se, por acaso, Santana se aguentar até ao Verão, até pode ser que o PSD, numa das piruetas em que é pródigo, ainda recupere a tempo das legislativas de 2006.

Dito isto, cumpre chamar a atenção para a notável vacuidade política do artigo de Cavaco Silva, o qual se limita a bramar em abstracto contra «os políticos incompetentes». Ora, se o Sr. Lopes aí está para provar que a incompetência de facto existe, é difícil acreditar que ela seja a fonte essencial dos nossos males.

Luís Filipe Pereira, Álvaro Barreto e Bagão Félix, para mencionar apenas alguns dos actuais ministros, não podem com justiça ser acusados de incompetência. Nem parece que, no que toca à competência individual dos seus ministros, o actual governo seja pior do que os de Barroso ou de Cavaco Silva. Será preciso recordar ao professor quantos ineptos povoaram os seus governos ao longo de uma década, ainda por cima em pastas de alta responsabilidade?

É um facto que o governo actual está a cair aos bocados, mas também o de Barroso já estava no início do ano. Aliás, foi por isso mesmo que Durão se pisgou e deixou o partido em herança ao amigo Lopes.

O desvario de Santana é, neste contexto, um mero fait-divers. A coligação está destroçada porque a sua política faliu. Há apenas três anos, um grupo de iluminados apresentou-se perante o país com soluções milagrosas para eliminar o déficite das contas públicas, reequilibrar a balança de transacções correntes e recuperar a competitividade do país. Como estamos bem lembrados, era tudo muito fácil: bastava emagrecer a função pública, eliminar o despesismo e, principalmente, baixar os impostos.

Isso só não fora feito antes, diziam-nos, porque os governantes socialistas eram totalmente incompetentes. Voltamos, assim, três anos volvidos, ao princípio: se os «competentes» substituírem os «incompetentes», o futuro será radioso e não teremos mais que preocupar-nos. Dá para desconfiar, não é verdade?

Ora o caso é que a última rodada de «competentes» propostos pelo PSD fracassou redondamente. Melhor: a sua política falhou redondamente: o déficite é agora maior, a dívida pública aumentou, o desequilíbrio das contas públicas cresceu, a produtividade estagnou, o desemprego disparou, a tão anunciada divergência real finalmente concretizou-se. E não sabem mais o que hão-de fazer.

Perante isto, qual é a proposta de Cavaco? Pura e simplesmente, não tem nenhuma, a não ser que se entenda que a promoção da competência é um programa político. No fundo, ele regressa com a mesma ideia simples que há vinte anos lhe permitiu conquistar o partido e o país.

A história, não o esqueçamos, tem esta tendência estranha para se repetir. Da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa.

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