«Nunca vi tão cruéis altos e baixos, tão íngremes subidas e tão declives ladeiras, como a gente encontra a cada passo quando anda por Lisboa. Mais de cinquenta vezes me julguei prestes a cair ao Tejo, ou a ser precipitado em covões de areia, entre sapatos velhos, gatos mortos e bruxas pretas, que se escondem nessas cavernas e covis, para aí lerem as sinas e venderem feitiços contra as febres!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
30.6.05
Está alguém em casa?
Não sei se já repararam que, na mais recente versão do Top 100 Popular Blogs do Mundo compilado pelo Technorati, continuam a figurar dois blogues portugueses: o Gato Fedorento, em 62º lugar (à frente, portanto, do blogue de Lawrence Lessig, um dos grandes pensadores contemporâneos da sociedade da informação), e o Abrupto, em 74º lugar.
Não vejo nos 100 maiores blogues mundiais nenhum blogue francês, alemão, espanhol, brasileiro ou italiano, por exemplo. Trata-se de um fenómeno notável num país pequeno, com elevadas taxas de analfabetismo funcional e baixos níveis de acesso à internet.
O que é que isto significa? O que é que isto pode implicar? O que é que poderemos fazer com isto?
Será que as pessoas que andam a congeminar o Plano Tecnológico sabem disto? E, caso saibam, ter-lhes-á ocorrido que por detrás deste simples facto pode esconder-se uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento do país?
Não, não estou a pedir que declaram o Gato e o Abrupto património nacional, que os condecorem, ou que lhes concedam um subsídio!
Não vejo nos 100 maiores blogues mundiais nenhum blogue francês, alemão, espanhol, brasileiro ou italiano, por exemplo. Trata-se de um fenómeno notável num país pequeno, com elevadas taxas de analfabetismo funcional e baixos níveis de acesso à internet.
O que é que isto significa? O que é que isto pode implicar? O que é que poderemos fazer com isto?
Será que as pessoas que andam a congeminar o Plano Tecnológico sabem disto? E, caso saibam, ter-lhes-á ocorrido que por detrás deste simples facto pode esconder-se uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento do país?
Não, não estou a pedir que declaram o Gato e o Abrupto património nacional, que os condecorem, ou que lhes concedam um subsídio!
29.6.05
Festas de São Pedro
«O calor não só parece ter requintado o veneno dos ferrões das moscas e dos mosquitos, mas também tem feito sair para a rua todos os efémeros humanos de Lisboa: desde o nascer até ao pôr do sol não fazem outra coisa senão saltar, dançar e tocar guitarra! Os cães também ladram e uivam sem parar: isto junto ao clamor das ladainhas das procissões paroquiais nocturnas, ao esfuziar dos fogos de artifício, que os devotos queimam continuamente em honra de um ou outro membro da hierarquia celestial, e às altercações dos bulhentos vadios, que percorrem as ruas em busca de aventuras, faz com que não seja possível pregar olho, ainda que o calor o permitisse.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
Louco por modinhas
«A actual mania do escrevinhador destas extravagâncias são as modinhas, e sob a sua influência sente-se ele meio tentado a embarcar para os Brasis - pátria dessas encantadoras melodias; viver lá em barracas, como as que o cavaleiro de Parmy descreve na sua deliciosa viagem, e baloiçar-se nas redes ou deslizar sobre macios coxins, cercado de bandos de juvenis cantores, espargindo a cada passo o perfume das rosas e dos jasmins.»
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
Só para não ficarem dúvidas
Eu não encerrei a caixa de comentários. Ela é que desapareceu sem dizer ui. Nem uma despedida, nem uma justificação, nada.
Já tentei tudo para persuadi-la a voltar, mas sem resultado. Confesso-me impotente para resolver o problema.
A mim não me perturbam nada os comentários imbecis ou mesmo as ordinarices que por vezes o anonimato incita certas pessoas a perpetrar na caixa dos comentários. Suporto bem tudo isso, só pelo prazer de sentir as reacções dos leitores ao que aqui se escreve.
De modo que, se alguém fizer alguma ideia do que poderá ter acontecido, peço-lhe encarecidamente que deixa as suas sugestões de resolução do problema na caixa de comentários.
Já tentei tudo para persuadi-la a voltar, mas sem resultado. Confesso-me impotente para resolver o problema.
A mim não me perturbam nada os comentários imbecis ou mesmo as ordinarices que por vezes o anonimato incita certas pessoas a perpetrar na caixa dos comentários. Suporto bem tudo isso, só pelo prazer de sentir as reacções dos leitores ao que aqui se escreve.
De modo que, se alguém fizer alguma ideia do que poderá ter acontecido, peço-lhe encarecidamente que deixa as suas sugestões de resolução do problema na caixa de comentários.
28.6.05
Toma e embrulha
Pensem lá o que será pior:
O sucessor de Bach usar as partituras do mestre para embrulhar peixe, ou o Diário de Notícias embrulhar Leonardo em papel de jornal?
O sucessor de Bach usar as partituras do mestre para embrulhar peixe, ou o Diário de Notícias embrulhar Leonardo em papel de jornal?
Sobre Políticos e Sabonetes
Dando continuidade à publicação das minhas obras completas, aqui reproduzo, para ilustração e recreio do Prof. Carrilho, um artigo que o Diário de Notícias acolheu nas suas páginas em 1 de Outubro de 1999.
Com a aproximação do próximo acto eleitoral, renasce a polémica em torno do marketing político, e, particularmente, acerca da influência da publicidade sobre o voto dos cidadãos.
De todos os lados se faz ouvir uma pergunta angustiada: será correcto tratar os políticos como se fossem sabonetes?
Ora, como quase toda a gente sabe, os políticos não são, efectivamente, sabonetes. Nem tão pouco, aliás, frigoríficos ou automóveis utilitários.
Uma dona de casa não corre um grande risco ao experimentar uma nova marca de detergente, de sumo de fruta ou de iogurte. Se não ficar satisfeita, terá desperdiçado, quando muito, algumas centenas de escudos. Por outro lado, quando um consumidor adquire um produto de maior valor - digamos, um frigorífico, um televisor ou mesmo um automóvel -, já se sabe que estará protegido por uma garantia contra eventuais deficiências de fabrico. Finalmente, existe uma abundante legislação destinada a proteger os consumidores contra a publicidade mentirosa.
Nenhuma dessas circunstâncias ocorre quando os cidadãos votam para escolher os seus representantes políticos: o risco de uma má decisão é elevadíssimo; é impossível corrigi-la antes que decorra um prazo de alguns anos; e, finalmente, não há praticamente limites para o que os candidatos podem dizer e prometer. Na terminologia técnica do marketing, dizemos que se trata de uma decisão de alto envolvimento.
A democracia assenta num paradoxo, mil vezes invocado pelos seus inimigos como argumento contra ela: milhões de cidadãos ignorantes sobre as realidades mais triviais são chamados a pronunciar-se sobre questões da maior profundidade para o destino do país. Perante essa plateia inculta, os políticos discutem com a possível seriedade o estado da balança de pagamentos, as vantagens da moeda única, a oportunidade de aumentar o investimento na investigação, a interrupção voluntária da gravidez, a criação de regiões político-administrativas e por aí fora.
Ora, o mistério é que, embora os cidadãos possam cometer (e efectivamente cometam) muitos erros de julgamento, o sistema funciona, ainda assim, com razoável e tranquilizadora eficácia.
É, então, inevitável perguntar: como é que o assustado cidadão comum, submergido por questões cuja profundidade o transcende, consegue formar um juízo e votar? Porque - note-se bem - o milagre nem é que vote razoavelmente bem, mas que chegue sequer a criar suficiente auto-confiança para ir votar.
O facto é que a generalidade das pessoas, reconhecendo as suas próprias limitações, não se deixa guiar apenas pela sua própria cabeça, antes busca inspiração ou conselho em alguém em quem confie. Antigamente, essa orientação era buscada nos líderes sociais naturais: o padre, o latifundiário, o patrão, o farmacêutico, o médico, o professor, ou o representante local da autoridade. Hoje em dia, os canais de influência política são mais variados e complexos, mas não menos importantes ou menos eficientes. Daí o interminável desfile, nos tempos de antena dos períodos eleitorais, de personalidades representativas das várias áreas da vida social que anunciam o seu apoio a este ou àquela força política.
Hoje como ontem, a grande maioria das pessoas não tem, de facto, opinião própria sobre a maior parte dos assuntos, o que não quer dizer que não possa adoptar a opinião de alguém cuja autoridade respeita.
Todavia, sucede por vezes que as diferenças de programa entre os diversos candidatos não são muito significativas, o que torna ainda mais difícil a escolha do pobre cidadão. Nesses casos, hoje tão frequentes, o que legitimamente preocupa os eleitores é, sobretudo, a capacidade de cada um dos contendores para realizar aquilo que se propõe. Os cidadãos poem-se, então, a prescrutar os mínimos detalhes do comportamento público e privado dos políticos, no intuito de encontrar sinais, por muito ténues, reveladores do que verdadeiramente lhes vai na alma.
Segundo a interpretação aqui proposta, os eleitores comportam-se efectivamente de forma racional, dentro dos limites da informação e da formação restritas de que dispõem.
Chegados a este ponto, estamos finalmente em condições de compreender que importância pode a publicidade ter nas decisões eleitorais. E a verdade nua e crua é que não pode ter muita.
Em primeiro lugar, porque pouco contribui para aumentar a saliência dos candidatos. Durante anos a fio, os líderes políticos são uma presença constante nos noticiários da TV e da rádio, dão entrevistas, participam em debates, discursam em comícios. No total, conseguem centenas de horas de exposição mediática gratuita, durante as quais têm oportunidade de expôr com razoável detalhe os seus pontos de vista. Em comparação, as mensagens publicitárias transmitidas em espaço e tempo comprado são breves e fugidias.
Em segundo lugar, sabemos que a publicidade é relativamente mais eficaz quando tenta convencer as pessoas a alterarem comportamentos ou pontos de vista relativos a assuntos pouco relevantes para a sua vida, tais como que marca de gelatina comprarão hoje ou que cerveja beberão ao almoço. No limite,a publicidade é quase impotente para alterar hábitos arreigados ou crenças essenciais, sejam elas políticas, morais ou religiosas.
Em terceiro lugar, a publicidade também não pode fazer muito pela imagem dos políticos. A razão é óbvia: a mencionada sobre-exposição dos políticos tem como consequência o apertado controlo do público sobre os seus mínimos actos, tiques ou gaffes. Permanentemente acossados pelos jornalistas, os políticos confrontam-se com a impossibilidade prática de simular ser algo que verdadeiramente não são. A longo prazo, a imagem coincide, em larga medida, com a realidade. E a verdade é que a maioria deles se encontra sob os holofotes há muito tempo, há demasiado tempo para que seja possível manter o público iludido sobre algum aspecto essencial do seu carácter.
Significa isso que a publicidade é completamente ineficaz como arma de combate político? Certamente que não.
Pode-se conceber que, em situações de extremo equilíbrio, a publicidade política possa ter suficiente impacto para decidir o resultado de uma eleição por uma pequena margem. Isso pode suceder porque uma parte dos eleitores - precisamente os mais indecisos - definem o seu voto em função do que pensam ser o sentido da vontade geral. Essas pessoas, em quem prevalece a força do conformismo, não suportam a ideia de poderem estar a ir contra a corrente. Ora a publicidade pode contribuir para dar a ideia de que um candidato tem uma popularidade algo superior àquela de que efectivamente desfruta.
Mas a principal força da publicidade política reside, eventualmente, na sua capacidade de mobilizar os militantes e os apoiantes mais activos de uma força política, funcionando como uma espécie de grito de guerra, de toque a reunir que entusiasma as hostes partidárias, ao mesmo tempo que contribui para orientar a propaganda, uniformizar argumentos, polarizar o debate em torno de certos temas.
Que se desiludam, pois, os dirigentes políticos em estado de desespero. Não será na publicidade que encontrarão a droga milagreira capaz de dar um novo alento às suas candidaturas.
Resumindo e concluindo, temos boas e más notícias para os candidatos que, em estado de desespero, buscam na publicidade uma tábua de salvação. A má notícia é que a publicidade não lhes resolverá o problema. A boa notícia é que também não lhes fará muito mal.
Com a aproximação do próximo acto eleitoral, renasce a polémica em torno do marketing político, e, particularmente, acerca da influência da publicidade sobre o voto dos cidadãos.
De todos os lados se faz ouvir uma pergunta angustiada: será correcto tratar os políticos como se fossem sabonetes?
Ora, como quase toda a gente sabe, os políticos não são, efectivamente, sabonetes. Nem tão pouco, aliás, frigoríficos ou automóveis utilitários.
Uma dona de casa não corre um grande risco ao experimentar uma nova marca de detergente, de sumo de fruta ou de iogurte. Se não ficar satisfeita, terá desperdiçado, quando muito, algumas centenas de escudos. Por outro lado, quando um consumidor adquire um produto de maior valor - digamos, um frigorífico, um televisor ou mesmo um automóvel -, já se sabe que estará protegido por uma garantia contra eventuais deficiências de fabrico. Finalmente, existe uma abundante legislação destinada a proteger os consumidores contra a publicidade mentirosa.
Nenhuma dessas circunstâncias ocorre quando os cidadãos votam para escolher os seus representantes políticos: o risco de uma má decisão é elevadíssimo; é impossível corrigi-la antes que decorra um prazo de alguns anos; e, finalmente, não há praticamente limites para o que os candidatos podem dizer e prometer. Na terminologia técnica do marketing, dizemos que se trata de uma decisão de alto envolvimento.
A democracia assenta num paradoxo, mil vezes invocado pelos seus inimigos como argumento contra ela: milhões de cidadãos ignorantes sobre as realidades mais triviais são chamados a pronunciar-se sobre questões da maior profundidade para o destino do país. Perante essa plateia inculta, os políticos discutem com a possível seriedade o estado da balança de pagamentos, as vantagens da moeda única, a oportunidade de aumentar o investimento na investigação, a interrupção voluntária da gravidez, a criação de regiões político-administrativas e por aí fora.
Ora, o mistério é que, embora os cidadãos possam cometer (e efectivamente cometam) muitos erros de julgamento, o sistema funciona, ainda assim, com razoável e tranquilizadora eficácia.
É, então, inevitável perguntar: como é que o assustado cidadão comum, submergido por questões cuja profundidade o transcende, consegue formar um juízo e votar? Porque - note-se bem - o milagre nem é que vote razoavelmente bem, mas que chegue sequer a criar suficiente auto-confiança para ir votar.
O facto é que a generalidade das pessoas, reconhecendo as suas próprias limitações, não se deixa guiar apenas pela sua própria cabeça, antes busca inspiração ou conselho em alguém em quem confie. Antigamente, essa orientação era buscada nos líderes sociais naturais: o padre, o latifundiário, o patrão, o farmacêutico, o médico, o professor, ou o representante local da autoridade. Hoje em dia, os canais de influência política são mais variados e complexos, mas não menos importantes ou menos eficientes. Daí o interminável desfile, nos tempos de antena dos períodos eleitorais, de personalidades representativas das várias áreas da vida social que anunciam o seu apoio a este ou àquela força política.
Hoje como ontem, a grande maioria das pessoas não tem, de facto, opinião própria sobre a maior parte dos assuntos, o que não quer dizer que não possa adoptar a opinião de alguém cuja autoridade respeita.
Todavia, sucede por vezes que as diferenças de programa entre os diversos candidatos não são muito significativas, o que torna ainda mais difícil a escolha do pobre cidadão. Nesses casos, hoje tão frequentes, o que legitimamente preocupa os eleitores é, sobretudo, a capacidade de cada um dos contendores para realizar aquilo que se propõe. Os cidadãos poem-se, então, a prescrutar os mínimos detalhes do comportamento público e privado dos políticos, no intuito de encontrar sinais, por muito ténues, reveladores do que verdadeiramente lhes vai na alma.
Segundo a interpretação aqui proposta, os eleitores comportam-se efectivamente de forma racional, dentro dos limites da informação e da formação restritas de que dispõem.
Chegados a este ponto, estamos finalmente em condições de compreender que importância pode a publicidade ter nas decisões eleitorais. E a verdade nua e crua é que não pode ter muita.
Em primeiro lugar, porque pouco contribui para aumentar a saliência dos candidatos. Durante anos a fio, os líderes políticos são uma presença constante nos noticiários da TV e da rádio, dão entrevistas, participam em debates, discursam em comícios. No total, conseguem centenas de horas de exposição mediática gratuita, durante as quais têm oportunidade de expôr com razoável detalhe os seus pontos de vista. Em comparação, as mensagens publicitárias transmitidas em espaço e tempo comprado são breves e fugidias.
Em segundo lugar, sabemos que a publicidade é relativamente mais eficaz quando tenta convencer as pessoas a alterarem comportamentos ou pontos de vista relativos a assuntos pouco relevantes para a sua vida, tais como que marca de gelatina comprarão hoje ou que cerveja beberão ao almoço. No limite,a publicidade é quase impotente para alterar hábitos arreigados ou crenças essenciais, sejam elas políticas, morais ou religiosas.
Em terceiro lugar, a publicidade também não pode fazer muito pela imagem dos políticos. A razão é óbvia: a mencionada sobre-exposição dos políticos tem como consequência o apertado controlo do público sobre os seus mínimos actos, tiques ou gaffes. Permanentemente acossados pelos jornalistas, os políticos confrontam-se com a impossibilidade prática de simular ser algo que verdadeiramente não são. A longo prazo, a imagem coincide, em larga medida, com a realidade. E a verdade é que a maioria deles se encontra sob os holofotes há muito tempo, há demasiado tempo para que seja possível manter o público iludido sobre algum aspecto essencial do seu carácter.
Significa isso que a publicidade é completamente ineficaz como arma de combate político? Certamente que não.
Pode-se conceber que, em situações de extremo equilíbrio, a publicidade política possa ter suficiente impacto para decidir o resultado de uma eleição por uma pequena margem. Isso pode suceder porque uma parte dos eleitores - precisamente os mais indecisos - definem o seu voto em função do que pensam ser o sentido da vontade geral. Essas pessoas, em quem prevalece a força do conformismo, não suportam a ideia de poderem estar a ir contra a corrente. Ora a publicidade pode contribuir para dar a ideia de que um candidato tem uma popularidade algo superior àquela de que efectivamente desfruta.
Mas a principal força da publicidade política reside, eventualmente, na sua capacidade de mobilizar os militantes e os apoiantes mais activos de uma força política, funcionando como uma espécie de grito de guerra, de toque a reunir que entusiasma as hostes partidárias, ao mesmo tempo que contribui para orientar a propaganda, uniformizar argumentos, polarizar o debate em torno de certos temas.
Que se desiludam, pois, os dirigentes políticos em estado de desespero. Não será na publicidade que encontrarão a droga milagreira capaz de dar um novo alento às suas candidaturas.
Resumindo e concluindo, temos boas e más notícias para os candidatos que, em estado de desespero, buscam na publicidade uma tábua de salvação. A má notícia é que a publicidade não lhes resolverá o problema. A boa notícia é que também não lhes fará muito mal.
Prova de recurso
Sob ameaça, mais alguns bloggers lá tiveram a ombridade de me fazer chegar as suas felicitações pelo 2º aniversário do blogue anteriomente conhecido como ...Blogo Existo.
Saiem do limbo, mas, até ver, ficam sob observação.
Saiem do limbo, mas, até ver, ficam sob observação.
Concerto con molti strumenti
Jackson Pollollock: Convergência 10, 1952.
Faz hoje precisamente quarenta anos que John Coltrane entrou num estúdio de New Jersey para gravar Ascension acompanhado de um grupo de dez músicos que incluía gente como Freddie Hubbard, Pharoah Sanders, Archie Shepp, McCoy Tiner e Elvin Jones.
Quando de lá saíu, o jazz mudara irreversivelmente.
Do ponto de vista formal, Ascension, de que existem dois registos alternativos, ambos com a duração aproximada de quarenta minutos, é um concerto para muitos instrumentos, uma sequência de solos ligados por tutti envolvendo todo o conjunto.
O ouvido habituado ao jazz tradicional é surpreendido numa primeira audição pelo aparente caos da música. Depois, a pouco e pouco, vai identificando padrões musicais e reconhecendo a complexa arquitectura sonora da peça.
Passado tanto tempo, esta música ainda não perdeu a sua capacidade de intrigar e de provocar.
Dois anos a fazer o Mal
Eis um blogue invariavelmente bem escrito, onde nada é gratuito ou postiço, que há longo tempo se tornou para mim numa companhia diária imprescindível. Parabéns, Natureza do Mal, pelo 2º aniversário.
27.6.05
O bispo confessor
«Este [bispo confessor], actualmente importantíssimo personagem, era um campónio que assentou praça de soldado raso; de soldado passou a cabo de esquadra, de cabo de esquadra fez-se frade, e nesta qualidade deu tantas provas de tolerância e bom humor, que o Marquês de Pombal, topando-o por um desses acasos que desafiam todos os cálculos, julgou-o suficientemente astuto, jovial e ignorante para fazer dele um inofensivo e cómodo confessor de Sua Majestade, então princesa do Brasil, e depois da sua ascensão ao trono foi nomeado arcebispo, in paribus, e inquisidor-mor, e veio a ser a mola principal do actual governo.
«Nunca vi sujeito mais grosseiro do que ele. Parece banhar-se em água de rosas, e ri e engorda, apesar da crítica situação dos negócios do país, e dos justos receios que os verdadeiros patriotas nutrem de o verem outra vez reduzido a província espanhola!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
«Nunca vi sujeito mais grosseiro do que ele. Parece banhar-se em água de rosas, e ri e engorda, apesar da crítica situação dos negócios do país, e dos justos receios que os verdadeiros patriotas nutrem de o verem outra vez reduzido a província espanhola!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
26.6.05
O convite
«Saboreávamos pacificamente o chá, quando fomos despertados por uma grande algazarra na rua. e correndo à varanda demos com um grosseiro magote de velhas bruxas, rapazes e mendigos andrajosos, trazendo à sua frente meia dúzia de tambores, e outros tantos pretos de véstias encarnadas, tocando trombetas com uma veemência insólita e apontando-as directamente para a minha casa!
«Estava eu admirando este modo de pôr cerco às portas alheias à moda de Jericó, e recuara um pouco para evitar ser queimado por um foguete, que me zuniu a uma polegada do nariz, quando um dos meus criados entrou com um crucifixo numa salva de prata e uma amabilíssima mensagem das freiras do convento do Sacramento, que enviavam os seus músicos com tambores e foguetes, a convidar-nos para uma grande festa no seu convento, em honra do Coração de Jesus.
«Estas festas de igreja principiavam, realmente, a perder para mim uma grande parte do seu encanto que lhes dera a novidade, e eu sentia-me já farto de motetes, de kirie eleisons, de incensos, de doces e de sermões.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
«Estava eu admirando este modo de pôr cerco às portas alheias à moda de Jericó, e recuara um pouco para evitar ser queimado por um foguete, que me zuniu a uma polegada do nariz, quando um dos meus criados entrou com um crucifixo numa salva de prata e uma amabilíssima mensagem das freiras do convento do Sacramento, que enviavam os seus músicos com tambores e foguetes, a convidar-nos para uma grande festa no seu convento, em honra do Coração de Jesus.
«Estas festas de igreja principiavam, realmente, a perder para mim uma grande parte do seu encanto que lhes dera a novidade, e eu sentia-me já farto de motetes, de kirie eleisons, de incensos, de doces e de sermões.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
Agradecimento
Os meus agradecimentos pelas simpáticas felicitações do Mar Salgado, do Diário da República, do Quase em Português, do Prozac, do Alerta Amarelo, da Bomba Inteligente, do Adufe, da Rua da Judiaria e do Bloguítica, a propósito do 2º aniversário do ...blogo existo.
Quanto aos outros... eu tenho-vos debaixo de olho!
Quanto aos outros... eu tenho-vos debaixo de olho!
25.6.05
A semana do Professor Espada
Recordação passeio Jaguar de Isaiah Berlin Junho de 1994 (?). Fica bem mencionar Sr. Pinto. Ou seria Jacinto?
Agradecer Fund. Oriente, Fund. Gulbenkian, Millenium BCP, Vodafone a propósito XIII Encontro Internacional e Estudos Políticos, Palace Hotel Estoril.
Equilibrar menção Oxford com outras: Harvard, Royal Inst. Philosophy, King's Coll., Intl Churchill Soc. (Verificar se quotas Churchill S. estão em dia.)
Pedido para referir o Journal of Democracy e D. Económico. Encaixar tb. Nova Cidadania.
Encerrar c/ meditação sobre aliança anglo-americana, vocação marítima de Portugal.
Ainda: bolsa de estudo Jerónimo Martins/Biedronka, Prof. Ruben Cabral, Compromisso Portugal (já me telefonaram duas vezes), Luso Fórum para a Democracia (quem são estes?), Embaixada EUA.
Apanhar na 3ª feira sapatos que foram para engraxar. Telefonar G.
Agradecer Fund. Oriente, Fund. Gulbenkian, Millenium BCP, Vodafone a propósito XIII Encontro Internacional e Estudos Políticos, Palace Hotel Estoril.
Equilibrar menção Oxford com outras: Harvard, Royal Inst. Philosophy, King's Coll., Intl Churchill Soc. (Verificar se quotas Churchill S. estão em dia.)
Pedido para referir o Journal of Democracy e D. Económico. Encaixar tb. Nova Cidadania.
Encerrar c/ meditação sobre aliança anglo-americana, vocação marítima de Portugal.
Ainda: bolsa de estudo Jerónimo Martins/Biedronka, Prof. Ruben Cabral, Compromisso Portugal (já me telefonaram duas vezes), Luso Fórum para a Democracia (quem são estes?), Embaixada EUA.
Apanhar na 3ª feira sapatos que foram para engraxar. Telefonar G.
Para que serve o Tribunal de Contas?
Volta e meia, a opinião pública é informada de que há dúvidas sobre o valor efectivo das receitas e despesas do Estado e que, por consequência, foi mais uma vez pedido ao Governador do Banco de Portugal que constitua uma comissão encarregada de estimar o real défice das contas públicas.
Há dias, foi anunciado que será criado um órgão técnico na dependência da Assembleia da República para assegurar a certificação dessas contas.
Esperem aí! Mas então não há presentemente no país nenhuma instituição encarregada de o fazer? Há, sim: é o Tribunal de Contas. Mas, então, porque o não faz? E em que ocupa os seus dias?
Segundo o site do Tribunal de Contas na internet, os seus serviços de Arquivo e Biblioteca funcionam entre as 9.15 h e as 17 h ; a Secretaria do Tribunal, entre as 9.30 h e as 12.30 h, e entre as 14 h e as 17.30 h; a Tesouraria, entre as 9.30 h e as 12 h, e entre as 14.3o e as 16 h; os serviços de Comunicação Social, entre as 9.30 h e as 20 h; e os serviços de Relações Públicas, entre as 8.30 e as 20 h (ena, ena!).
Não sei como é que eles se entendem lá dentro com tantos horários diferentes, mas o que eu quero fazer notar é que os serviços mais generosos no atendimento do seu público são os da Comunicação Social e os das Relações Públicas. Revelerá isto as prioridades reais do Tribunal?
Ao certo, ao certo, o que eu sei é que o timing da revelação dos relatórios do Tribunal parece ocorrer em função das flutuações do debate político e de critérios jornalíticos.
Depois, os documentos que os media divulgam não se limitam a relatar factos. Com grande frequência metem-se a discutir com total primarismo temas de gestão empresarial ou problemas de engenharia relativamente aos quais os técnicos do Tribunal manifestamente não dispoem de nenhuma competência.
Hoje mesmo, as televisões fizeram-se eco de auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas a determinadas empresas públicas, nas quais são feitas comparações entre o estatuto remuneratório dos gestores e os vencimentos de responsáveis políticos, entre os quais o Presidente da República.
Como é habitual, os documentos do Tribunal de Contas revelam uma total impreparação para discutir o assunto, mas isso não parece embaraçar ninguém. Afinal, o que interessa é apenas lançar achas para a fogueira da inveja que alguns tiveram a imprudência de atear.
De modo que, a meu ver, um Tribunal de Contas que, em vez de fiscalizar eficazmente as contas, serve sobretudo para alimentar a demagogia jornalística, certamente não está a cumprir o seu papel.
E que tal entreterem-se a analisar o estatuto remuneratório dos seus dirigentes? Tendo em conta o pouco que de útil que fazem, estão certamente a ganhar demasiado.
Há dias, foi anunciado que será criado um órgão técnico na dependência da Assembleia da República para assegurar a certificação dessas contas.
Esperem aí! Mas então não há presentemente no país nenhuma instituição encarregada de o fazer? Há, sim: é o Tribunal de Contas. Mas, então, porque o não faz? E em que ocupa os seus dias?
Segundo o site do Tribunal de Contas na internet, os seus serviços de Arquivo e Biblioteca funcionam entre as 9.15 h e as 17 h ; a Secretaria do Tribunal, entre as 9.30 h e as 12.30 h, e entre as 14 h e as 17.30 h; a Tesouraria, entre as 9.30 h e as 12 h, e entre as 14.3o e as 16 h; os serviços de Comunicação Social, entre as 9.30 h e as 20 h; e os serviços de Relações Públicas, entre as 8.30 e as 20 h (ena, ena!).
Não sei como é que eles se entendem lá dentro com tantos horários diferentes, mas o que eu quero fazer notar é que os serviços mais generosos no atendimento do seu público são os da Comunicação Social e os das Relações Públicas. Revelerá isto as prioridades reais do Tribunal?
Ao certo, ao certo, o que eu sei é que o timing da revelação dos relatórios do Tribunal parece ocorrer em função das flutuações do debate político e de critérios jornalíticos.
Depois, os documentos que os media divulgam não se limitam a relatar factos. Com grande frequência metem-se a discutir com total primarismo temas de gestão empresarial ou problemas de engenharia relativamente aos quais os técnicos do Tribunal manifestamente não dispoem de nenhuma competência.
Hoje mesmo, as televisões fizeram-se eco de auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas a determinadas empresas públicas, nas quais são feitas comparações entre o estatuto remuneratório dos gestores e os vencimentos de responsáveis políticos, entre os quais o Presidente da República.
Como é habitual, os documentos do Tribunal de Contas revelam uma total impreparação para discutir o assunto, mas isso não parece embaraçar ninguém. Afinal, o que interessa é apenas lançar achas para a fogueira da inveja que alguns tiveram a imprudência de atear.
De modo que, a meu ver, um Tribunal de Contas que, em vez de fiscalizar eficazmente as contas, serve sobretudo para alimentar a demagogia jornalística, certamente não está a cumprir o seu papel.
E que tal entreterem-se a analisar o estatuto remuneratório dos seus dirigentes? Tendo em conta o pouco que de útil que fazem, estão certamente a ganhar demasiado.
24.6.05
Noite de Santo António
«Caía a noite quando cheguei ao grande pórtico [do Mosteiro dos Jerónimos], e achei o largo fronteiriço começando a iluminar-se com o vívido clarão de um renque de fogueiras acesas à beira do Tejo. Custou-me a chegar à minha carruagem sem ser chamuscado pelos busca-pés e bombas, e desejei ver-me logo fora dela, porque as mulas espantaram-se furiosamente com um foguete, que lhes rebentou mesmo debaixo dos focinhos.
«Contava não dormir aquela noite, a não ser que um milagre de Santo António me acalentasse o sono, tal era o estrondo dos fogos-de-artifício, o clarão das fogueiras e os toques de gaita de foles, em honra do dia de amanhã, o 555º aniversário do memorável dia em que o santo de Lisboa passou a gozar, por uma ligeira transição, as alegrias do Paraíso!
«Profusamente adornada de flores, e alumiada com círios e velas, vi a sua imagem à porta de todas as casas, e até nos alpendres e nas mais pobres barracas desta populosa capital.»
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
«Contava não dormir aquela noite, a não ser que um milagre de Santo António me acalentasse o sono, tal era o estrondo dos fogos-de-artifício, o clarão das fogueiras e os toques de gaita de foles, em honra do dia de amanhã, o 555º aniversário do memorável dia em que o santo de Lisboa passou a gozar, por uma ligeira transição, as alegrias do Paraíso!
«Profusamente adornada de flores, e alumiada com círios e velas, vi a sua imagem à porta de todas as casas, e até nos alpendres e nas mais pobres barracas desta populosa capital.»
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
Festa na Sé
«Parecia que a peste tinha assolado o Terreiro do Paço e os buliçosos arredores da Praça do Comércio e da Casa da Índia, porque até os vadios, os varredores das ruas e os pobres no último estado de decrepitude, haviam todos abalado para o local da festa! Nas ruas ermas apenas alguns cães farejavam os ossos, e não vi nas janelas senão ,eia dúzia de crianças enlambuzadas, berrando com toda a força por as terem deixado em casa.
«O murmúrio da multidão, apinhoada em volda da Sé Patriarcal, já se ouvia muito antes de lá chegarmos entre fileiras de soldados formados em linha de batalha. Quando dobrámos um recanto, ensombrado pelo alto edifício do seminário adjunto à Patriarcal, descobrimos as casas, as lojas e os palácios, tudo transformado em pavilhões, e armado de cima até abaixo de damasco vermelho, de tapeçarias, de colchas de cetim e de cobertas franjadas de luzente ouro. Julguei-me transportado ao acampamento do grão-mongol, tão pomposamente descrito por Bernier!»
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
«O murmúrio da multidão, apinhoada em volda da Sé Patriarcal, já se ouvia muito antes de lá chegarmos entre fileiras de soldados formados em linha de batalha. Quando dobrámos um recanto, ensombrado pelo alto edifício do seminário adjunto à Patriarcal, descobrimos as casas, as lojas e os palácios, tudo transformado em pavilhões, e armado de cima até abaixo de damasco vermelho, de tapeçarias, de colchas de cetim e de cobertas franjadas de luzente ouro. Julguei-me transportado ao acampamento do grão-mongol, tão pomposamente descrito por Bernier!»
William Beckford, Viagens a Portugal, 1787.
Ob(s)ecado (sic)
Ob(s)ecado, adj. cégo do ispírito; ovescurecido; ofoscado; pretinaz; com tomás no êrro. (Do lat. obcaecatu, «id.», part. pass. de obcaecare, «segar»).
Goyescas
«Duvido que a [Arca de Noé] contivesse uma colecção de animais mais heterogénea do que a que saiu de um escaler de cinquenta remadores, que acabava de pôr em terra o velho marquês de Marialva e o seu filho D. José, acompanhados de uma multidão de músicos, poetas, toureiros, lacaios, macacos, anões e crianças de ambos os sexos, fantasiosamente vestidas!
«Todo aquele bando, creio eu, voltava de uma romaria à capela de um santo no outro lado do Tejo. O primeiro que saltou foi um anão corcunda, que fazia uma chiadeira infernal numa gaitinha de um palmo de comprimento; seguiam-se depois dois serviões parasitas aparentemente comandados por um velho de uniforme muito usado, e de aspecto singular e fanfarrão, que me disseram ter militado como brigadeiro numa ilha qualquer. A Barataria que ela fosse, Sancho tê-lo-ia mandado tratar da sua vida, porque, a dar crédito à crónica escandalosa de Lisboa, poucas vezes se tem visto um truão, um parasita e um gatuno mais impudente do que ele!
«No encalço destes caminhavam um empoado e asselvajado monge, tão alto como Sansão, e dois frades capuchinhos, ajoujados não sei com que espécie de provisões. Vinha em seguida um magro e pálido botecário, todo vestido de preto, correspondendo completamente no trajo e no porte à figura que imaginamos do Señor Apuntador, do Gil Blas, e após este vinha um improvisador meio tonto, disparando-nos versos, quando passou por baixo das varandas de onde estávamos vendo desfilar o cortejo.
«Era quase impossível ouvi-lo por causa do confuso tropel de barqueiros e criados com gaiolas de pássaros, lanternas, cabazes de fruta e grinaldas de flores, que vinham alegres e saltando, com grande gáudio de um bando de crianças, as quais, para parecerem mais habitantes do Céu do que a Natureza as fizera, traziam umas asinhas transparentes presas aos seus ombros cor de rosa. Alguns desses anjinhos de teatro eram extremamente formosos, e tinham o cabelo garridamente disposto em anéis.
«O velho marquês gosta deles doidamente; vivem com ele noite e dia, dando-lhe tudo o que a frescura e a inocência pode oferecer a uma organização decadente.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1797.
«Todo aquele bando, creio eu, voltava de uma romaria à capela de um santo no outro lado do Tejo. O primeiro que saltou foi um anão corcunda, que fazia uma chiadeira infernal numa gaitinha de um palmo de comprimento; seguiam-se depois dois serviões parasitas aparentemente comandados por um velho de uniforme muito usado, e de aspecto singular e fanfarrão, que me disseram ter militado como brigadeiro numa ilha qualquer. A Barataria que ela fosse, Sancho tê-lo-ia mandado tratar da sua vida, porque, a dar crédito à crónica escandalosa de Lisboa, poucas vezes se tem visto um truão, um parasita e um gatuno mais impudente do que ele!
«No encalço destes caminhavam um empoado e asselvajado monge, tão alto como Sansão, e dois frades capuchinhos, ajoujados não sei com que espécie de provisões. Vinha em seguida um magro e pálido botecário, todo vestido de preto, correspondendo completamente no trajo e no porte à figura que imaginamos do Señor Apuntador, do Gil Blas, e após este vinha um improvisador meio tonto, disparando-nos versos, quando passou por baixo das varandas de onde estávamos vendo desfilar o cortejo.
«Era quase impossível ouvi-lo por causa do confuso tropel de barqueiros e criados com gaiolas de pássaros, lanternas, cabazes de fruta e grinaldas de flores, que vinham alegres e saltando, com grande gáudio de um bando de crianças, as quais, para parecerem mais habitantes do Céu do que a Natureza as fizera, traziam umas asinhas transparentes presas aos seus ombros cor de rosa. Alguns desses anjinhos de teatro eram extremamente formosos, e tinham o cabelo garridamente disposto em anéis.
«O velho marquês gosta deles doidamente; vivem com ele noite e dia, dando-lhe tudo o que a frescura e a inocência pode oferecer a uma organização decadente.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1797.
23.6.05
Dignidade sem poder
«A dignidade sem o poder é um dos mais pesados fardos. Um soberano pode empregar a sua actividade; tem a escolher o bem ou o mal; mas a uns príncipes, como os de Palhavã, sem poder nem influência, que não têm para alimentar o pensamento senão a sua imaginária grandeza, o espírito há-de-se-lhes evaporar, e tornar-se-ão com o decorrer do tempo tão hirtos e inanimados como as pirâmides da raquítica murta dos seus jardins!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
Slow down, rapazes
Estes tipos têm uma inquestionável vocação monopolista. À velocidade a que eles debitam prosa, um sujeito tem de se desempregar para conseguir acompanhar o ritmo, e, mesmo assim, só se desistir de ler outros blogues.
Ora com franqueza, quem pensam vocês que são?
A título de serviço público, estou a pensar fazer uma espécie de selecções do reader's digest do Casmurro para gente normal que tem que ganhar a vida e sustentar família.
Para já, aqui fica um naco. Prove, saboreiem, e depois digam-me qualquer coisa.
Ora com franqueza, quem pensam vocês que são?
A título de serviço público, estou a pensar fazer uma espécie de selecções do reader's digest do Casmurro para gente normal que tem que ganhar a vida e sustentar família.
Para já, aqui fica um naco. Prove, saboreiem, e depois digam-me qualquer coisa.
Em defesa de Tony Blair
As críticas à actuação de Blair na última cimeira europeia ignoram que também ele, em resultado do resultado dos referendos em França e na Holanda, ficou refém da sua opinião pública interna.
Blair tinha uma estratégia para levar os britânicos, mesmo que a contra-gosto, a aprovarem o tratado constitucional e a aderirem ao euro.
Nas actuais circunstâncias, porém, uma e outra coisa tornaram-se impensáveis, até porque os tablóides aproveitaram a situação de fragilidade da União Europeia para intensificarem a sua persistente campanha chauvinista contra tudo o que não é inglês.
Para reconquistar espaço de manobra, Blair precisa de se armar em campeão das sólidas virtudes britânicas, o que, em termos muito chãos, significa declarar guerra aos gauleses. Neste contexto, o ataque à absurda Política Agrícola Comum é a forma mais útil e inteligente de tirar partido de uma situação desfavorável para, mesmo assim, conseguir fazer avançar a Europa.
Blair tinha uma estratégia para levar os britânicos, mesmo que a contra-gosto, a aprovarem o tratado constitucional e a aderirem ao euro.
Nas actuais circunstâncias, porém, uma e outra coisa tornaram-se impensáveis, até porque os tablóides aproveitaram a situação de fragilidade da União Europeia para intensificarem a sua persistente campanha chauvinista contra tudo o que não é inglês.
Para reconquistar espaço de manobra, Blair precisa de se armar em campeão das sólidas virtudes britânicas, o que, em termos muito chãos, significa declarar guerra aos gauleses. Neste contexto, o ataque à absurda Política Agrícola Comum é a forma mais útil e inteligente de tirar partido de uma situação desfavorável para, mesmo assim, conseguir fazer avançar a Europa.
A blogar desde 23 de Junho de 2003
Segundo o arquivo do Blogger, que não me deixa mentir, o ...Blogo Existo começou a emitir regularmente faz hoje precisamente dois anos.
No Jardim Botânico
«O jardim é muito agradável: está situado numa eminência, e plantado de esbeltas árvores cobertas de flores. Acima dos seus mais altos ramos ergue-se um largo e majestoso terraço com uma balaustrada de mármore de deslumbrante alvura e de um estranho estilo oriental. Neste país desenham mediocremente, porém executam com grande perfeição e acabamento. Nunca vi balaustradas mais bem cortadas ou cinzeladas do que as que ladeiam os degraus que conduzem ao grande terraço, cuja vasta superfície é dividida em longos compartimentos de mármore, contendo poucas variedades de heliotrópios, aloés, gerânios, rosas da China e outras plantas mais comuns nas nossas estufas. Estes pesados canteiros têm um triste aspecto; fazem-nos lembrar um cemitério; e eu fiquei impressionado, como se visse sair da terra os defuntos habitantes do palácio vizinho na forma de espinheiros, de figueiras da Índia, de pomposos malvaiscos e de copadas pimenteiras!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
Nos arredores da capital
«Aqui não há matas de pinheiros como nas clássicas villas italianas, nem os baloiçados choupos e folhudos castanheiros que ensombram as planícies da Lombardia. As baixas dos arrabaldes são cobertas - com poucas excepções, infelizmente - de laranjeiras anãs e de oliveiras cinzentas. Ao abrigo dos seus ramos não vemos pastores nem pastoras, mas só ossos alvejantes, chinelos velhos, cacos, e alguns viandantes muitas vezes acompanhados de macacos, que, segundo me disseram, eles alugam para catarem a humanidade!»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
22.6.05
21.6.05
Castidade
«Tinha este [mestre de picaria dos bastardos de D. João V] uma bem empoada e correcta cabeleira, um brilhante espadim de prata, a libré toda carmesim, e uma guapa e bojuda pança. Com uma das mãos no seio e a outra na posição de tomar uma pitada, ele discorria enfaticamente sobre a santidade, a temperança e a castidade dos seus augustos amos, que vivem sequestrados do mundo, no silêncio e na obscuridade, aborrecem a sociedade profana, e nunca tiveram olhos para uma mulher!»
William Beckford: Viagens a Portugal.
William Beckford: Viagens a Portugal.
Juízo, meninos...
Dentre as muitas e desvairadas gentes que habitam esta nossa casa comum europeia, destacam-se dois povos pela sua incontível inclinação xenófoba: os franceses e os ingleses.
Reféns mentais de uma passada grandeza política e militar, acham-se ainda hoje no direito de ditar aos outros as suas normas e preferências e de incomodar com a sua empáfia toda a gente que com eles é obrigada a conviver.
Uns alimentam-se do ressentimento e de uma suposta superioridade cultural. Os outros, julgam-se ainda importantes por viverem agarrados às saias da poderosa ex-colónia transatlântica.
Uns insistem em propor à admiração universal o magarefe Napoleão. Os outros conservam sem vergonha no seu panteão de heróis nacionais o indecoroso pirata Drake.
Eles são excepcionais, diferentes, singulares, únicos, superiores. Eles são, em suma, saloios.
Estas coisas são até certo ponto normais, pois não há nação, por mais medíocre, que não se tenha considerado a si mesma, num momento ou noutro, «nobre povo, nação valente e imortal».
O mais estranho é que haja entre nós gente suficientemente tola para levar a sério tais pretensões, assumindo insensatamente a condição de francófilos ou de anglófilos, como se isso fosse qualquer coisa de que se devessem orgulhar.
Juízo, meninos, juízo!
Reféns mentais de uma passada grandeza política e militar, acham-se ainda hoje no direito de ditar aos outros as suas normas e preferências e de incomodar com a sua empáfia toda a gente que com eles é obrigada a conviver.
Uns alimentam-se do ressentimento e de uma suposta superioridade cultural. Os outros, julgam-se ainda importantes por viverem agarrados às saias da poderosa ex-colónia transatlântica.
Uns insistem em propor à admiração universal o magarefe Napoleão. Os outros conservam sem vergonha no seu panteão de heróis nacionais o indecoroso pirata Drake.
Eles são excepcionais, diferentes, singulares, únicos, superiores. Eles são, em suma, saloios.
Estas coisas são até certo ponto normais, pois não há nação, por mais medíocre, que não se tenha considerado a si mesma, num momento ou noutro, «nobre povo, nação valente e imortal».
O mais estranho é que haja entre nós gente suficientemente tola para levar a sério tais pretensões, assumindo insensatamente a condição de francófilos ou de anglófilos, como se isso fosse qualquer coisa de que se devessem orgulhar.
Juízo, meninos, juízo!
17.6.05
Tiepolo: Alexandre o Grande e Campaspe no estúdio de Apeles, c. 1740.
Reparem no ar mimado e enjoado da marmanjona, de seu nome Campaspe, a concubina favorita de Alexandre. Agora reparem na atitude desinteressada de Alexandre, que espairece o tédio olhando lá para fora pela janela.
Apenas o pintor, o jovem e famoso Apeles, parece absolutamente concentrado. Sabemos pela história que o foco do seu interesse não era o retrato mas os peitos da retratada, o que até se compreende.
Julgam que Alexandre se zangou? Nada disso: entregou-lhe magnanimemente a miúda em troca da pintura que, pelos vistos, valia muito mais - e todos amigos como dantes.
Por quem os sinos dobram
Se observarem com muita atenção as fotos do funeral de Cunhal publicadas na imprensa, vão reparar que eu não me encontro lá no meio da multidão. Aliás, faço notar que não é a primeira vez que isso acontece.
Cá para o meu gosto, Cunhal foi um mau desenhador e um mau escritor. Dedicou-se na vida a muitas coisas, mas fê-las quase todas mal. Numa certa perspectiva, foi aquilo a que com toda a propriedade se chama um falhado.
E, no entanto, de há uns anos a esta parte, eu deixei de conseguir detestar Cunhal. Percebo que outros - como Vasco Pulido Valente, que se queixa de ter sido desleixado pelos pais na sua infância por causa do «Álvaro» - sintam diferentemente. Mas a mim, essa pessoa já quase não me desperta emoções.
Porque ele mudou, porque eu mudei, porque o mundo mudou, porque eu não sou dado a ressentimentos? Por tudo isso, e por muito mais.
Quando olhamos o céu, contemplamos estrelas que morreram há milhões de anos. Quando nos dão a ver as imagens do cortejo fúnebre de Cunhal, o tempo recua subitamente algumas décadas e somos contemporâneos de uma era definitivamente enterrada.
É por isso que eles choram, os manifestantes. Choram o seu passado, a sua juventude, os seus sonhos, as suas ambições perdidas. Choram as suas mortes, não a dele. É por elas que os sinos dobram.
Fiquemos então assim. Concordemos todos que Cunhal foi um grande português, e deixemos a cada um o cuidado de decidir o que, neste caso concreto, a palavra «grande» quer dizer.
Cá para o meu gosto, Cunhal foi um mau desenhador e um mau escritor. Dedicou-se na vida a muitas coisas, mas fê-las quase todas mal. Numa certa perspectiva, foi aquilo a que com toda a propriedade se chama um falhado.
E, no entanto, de há uns anos a esta parte, eu deixei de conseguir detestar Cunhal. Percebo que outros - como Vasco Pulido Valente, que se queixa de ter sido desleixado pelos pais na sua infância por causa do «Álvaro» - sintam diferentemente. Mas a mim, essa pessoa já quase não me desperta emoções.
Porque ele mudou, porque eu mudei, porque o mundo mudou, porque eu não sou dado a ressentimentos? Por tudo isso, e por muito mais.
Quando olhamos o céu, contemplamos estrelas que morreram há milhões de anos. Quando nos dão a ver as imagens do cortejo fúnebre de Cunhal, o tempo recua subitamente algumas décadas e somos contemporâneos de uma era definitivamente enterrada.
É por isso que eles choram, os manifestantes. Choram o seu passado, a sua juventude, os seus sonhos, as suas ambições perdidas. Choram as suas mortes, não a dele. É por elas que os sinos dobram.
Fiquemos então assim. Concordemos todos que Cunhal foi um grande português, e deixemos a cada um o cuidado de decidir o que, neste caso concreto, a palavra «grande» quer dizer.
16.6.05
O lado certo
E você, seu miserável cromo, está seguro de se encontrar do lado certo da História?
Eis uma receita infalível para não correr o risco de circular fora de mão.
Todos os sábados, infalivelmente, estude com a máxima aplicação os editoriais do Saraiva no Expresso. Depois, repita fielmente o que aí aprendeu sempre que lhe perguntarem a sua opinião.
É o próprio quem nos garante que o método nunca falha.
Eis uma receita infalível para não correr o risco de circular fora de mão.
Todos os sábados, infalivelmente, estude com a máxima aplicação os editoriais do Saraiva no Expresso. Depois, repita fielmente o que aí aprendeu sempre que lhe perguntarem a sua opinião.
É o próprio quem nos garante que o método nunca falha.
Desventuras do imperativo categórico
A vida de Álvaro Cunhal revela exemplarmente as consequências nefastas de um excessivo sentido do dever.
Quando um indivíduo se deixa guiar por uma ideia absoluta do bem e do certo, isso acaba por se revelar nefasto para ele e para os que o rodeiam, dado que nada nem ninguém são autorizados a interporem-se entre ele e essa fantasia que não admite contradição, na medida exacta em que ela parece ditada por uma força superior e impessoal.
Uma pessoa com as suas fraquezas, logo mais humana, não corre tais riscos. A sua disposição para cair em tentação e cometer pequenos pecados protege-a de cometer pecados maiores e de converter o anseio do bem numa força destruidora.
Acima de tudo, não corre o risco de colaborar na sua própria auto-aniquilação, na violentação da sua individualidade e do seu direito à felicidade em nome da santidade do martírio.
O imperativo categórico pode tornar-se numa perigosa força assassina quando não reconhece os seus limites. O absolutismo moral não se torna mais recomendável por assumir as vestes do rigor, da coerência, da persistência e da lealdade.
Em matéria de moral como em matéria de venenos, é tudo uma questão de dose.
Quando um indivíduo se deixa guiar por uma ideia absoluta do bem e do certo, isso acaba por se revelar nefasto para ele e para os que o rodeiam, dado que nada nem ninguém são autorizados a interporem-se entre ele e essa fantasia que não admite contradição, na medida exacta em que ela parece ditada por uma força superior e impessoal.
Uma pessoa com as suas fraquezas, logo mais humana, não corre tais riscos. A sua disposição para cair em tentação e cometer pequenos pecados protege-a de cometer pecados maiores e de converter o anseio do bem numa força destruidora.
Acima de tudo, não corre o risco de colaborar na sua própria auto-aniquilação, na violentação da sua individualidade e do seu direito à felicidade em nome da santidade do martírio.
O imperativo categórico pode tornar-se numa perigosa força assassina quando não reconhece os seus limites. O absolutismo moral não se torna mais recomendável por assumir as vestes do rigor, da coerência, da persistência e da lealdade.
Em matéria de moral como em matéria de venenos, é tudo uma questão de dose.
15.6.05
14.6.05
Comunistas
O primo Damião já fizera trinta anos mas ainda não encontrara ocupação certa. Era contra os patrões e o casamento. Na taberna, explicava o que se devia fazer para endireitar o mundo. Quando bebia demais, proclamava-se comunista. Felizmente para ele, a polícia nunca o tomou a sério.
O Freitas anunciava que, quando o cosmonauta Gagarine subira aos céus, não encontrara por lá Deus, e que, com a conquista do espaço, a União Soviética demoliria as superstições populares. Dizia-se que o Freitas era comunista.
O Manuel João era o único miúdo do liceu que não participava nas actividades da Mocidade Portuguesa com a desculpa de não ter farda. Chamada ao liceu, a mãe alegou que não tinha dinheiro para comprar-lhe o uniforme porque o pai fora preso sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista.
Quando se aproximavam as eleições, o Serra aparecia lá em casa com uns abaixo-assinados a pedir a libertação dos presos políticos. O Serra tinha ar de quem não fazia mal a uma mosca, mas nós sabíamos que ele era comunista.
O senhor Sacavém, chamemos-lhe assim, fora preso e torturado. Ficou com o estômago desfeito de modo que só podia comer papas. Preocupava-se muito com a falta de respeito da juventude.
Na Igreja S. João de Brito havia um cine-clube onde assistíamos a filmes do Bergmann e do Hitchcock. Na última fila sentava-se um pide que andava por ali à coca de comunistas.
O Zé era de uma família rica com propriedades em Angola. Como era comunista, a mãe tinha que lhe garantir que o dinheiro da mesada não vinha das roças.
Estes foram alguns dos supostos comunistas que eu conheci.
O Freitas anunciava que, quando o cosmonauta Gagarine subira aos céus, não encontrara por lá Deus, e que, com a conquista do espaço, a União Soviética demoliria as superstições populares. Dizia-se que o Freitas era comunista.
O Manuel João era o único miúdo do liceu que não participava nas actividades da Mocidade Portuguesa com a desculpa de não ter farda. Chamada ao liceu, a mãe alegou que não tinha dinheiro para comprar-lhe o uniforme porque o pai fora preso sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista.
Quando se aproximavam as eleições, o Serra aparecia lá em casa com uns abaixo-assinados a pedir a libertação dos presos políticos. O Serra tinha ar de quem não fazia mal a uma mosca, mas nós sabíamos que ele era comunista.
O senhor Sacavém, chamemos-lhe assim, fora preso e torturado. Ficou com o estômago desfeito de modo que só podia comer papas. Preocupava-se muito com a falta de respeito da juventude.
Na Igreja S. João de Brito havia um cine-clube onde assistíamos a filmes do Bergmann e do Hitchcock. Na última fila sentava-se um pide que andava por ali à coca de comunistas.
O Zé era de uma família rica com propriedades em Angola. Como era comunista, a mãe tinha que lhe garantir que o dinheiro da mesada não vinha das roças.
Estes foram alguns dos supostos comunistas que eu conheci.
13.6.05
Um sobrevivente
Imaginem que um tipo passa os melhores anos da sua vida no exílio, na clandestinidade ou na prisão, acossado pela polícia e obcecado pela traição.
Imaginem que, dos onze anos seguidos passados na prisão, durante oito permaneceu incomunicável. Que sofreu e viu amigos sofrerem as piores violências e vexames. Que travou uma luta constante contra si mesmo para não ceder nem dar o flanco.
Imaginem que desde muito novo conviveu com o arbítrio policial, que sentiu terror de não ter força para resistir-lhe, que acima de tudo teve medo do próprio medo, de não estar à altura das circunstâncias, de arrastar consigo para o desastre familiares e companheiros.
Imaginem que se treinou a controlar os seus sentimentos, a não criar sólidos afectos, a ser duro e insensível, a evitar revelar as suas fraquezas, a valorizar os outros antes de mais pela sua capacidade de resistirem nas mais brutais situações.
Imaginem que se auto-persuadiu de que, para resistir eficazmente à violência, tudo - absolutamente tudo - se encontrava justificado, inclusive o recurso, se necessário, a uma violência equivalente.
Imaginem que, quando finalmente pôde circular em liberdade pelo seu próprio país, tinha já sessenta anos de idade e que, entretanto, há muito desistira de poder ter aquilo que a esmagadora maioria de nós considera uma boa vida.
Imaginem, finalmente, que, ao contrário de muitos outros que, como Bento Gonçalves, Pavel ou Júlio Fogaça, foram de um modo ou de outro cilindrados pela vida, ele, triunfando sobre si próprio, não cedeu, não desistiu, não traíu, não se desviou um milímetro que fosse do seu rumo até ao dia da sua morte.
Só quem não percebe nada da psicologia humana pode admitir que este homem alguma vez possa ter-se sentido um falhado.
Imaginem que, dos onze anos seguidos passados na prisão, durante oito permaneceu incomunicável. Que sofreu e viu amigos sofrerem as piores violências e vexames. Que travou uma luta constante contra si mesmo para não ceder nem dar o flanco.
Imaginem que desde muito novo conviveu com o arbítrio policial, que sentiu terror de não ter força para resistir-lhe, que acima de tudo teve medo do próprio medo, de não estar à altura das circunstâncias, de arrastar consigo para o desastre familiares e companheiros.
Imaginem que se treinou a controlar os seus sentimentos, a não criar sólidos afectos, a ser duro e insensível, a evitar revelar as suas fraquezas, a valorizar os outros antes de mais pela sua capacidade de resistirem nas mais brutais situações.
Imaginem que se auto-persuadiu de que, para resistir eficazmente à violência, tudo - absolutamente tudo - se encontrava justificado, inclusive o recurso, se necessário, a uma violência equivalente.
Imaginem que, quando finalmente pôde circular em liberdade pelo seu próprio país, tinha já sessenta anos de idade e que, entretanto, há muito desistira de poder ter aquilo que a esmagadora maioria de nós considera uma boa vida.
Imaginem, finalmente, que, ao contrário de muitos outros que, como Bento Gonçalves, Pavel ou Júlio Fogaça, foram de um modo ou de outro cilindrados pela vida, ele, triunfando sobre si próprio, não cedeu, não desistiu, não traíu, não se desviou um milímetro que fosse do seu rumo até ao dia da sua morte.
Só quem não percebe nada da psicologia humana pode admitir que este homem alguma vez possa ter-se sentido um falhado.
Discordâncias
Há algumas pessoas, bloggers incluídos, que julgam estar a dizer uma coisa muito importante quando sublinham que discordaram politicamente de Álvaro Cunhal.
Por mim, parece-me essencial clarificar a natureza exacta dessa discordância.
Será que a manifestaram deixando-se estar muito sossegadinhos enquanto ele permanecia preso durante onze anos consecutivos?
Ou, pelo contrário, fizeram-no enfrentando-o quando ele tinha poder para lhes criar sérios problemas, por exemplo, metendo-os na cadeia?
Ou será ainda que só amadureceram a sua discordância muito mais tarde, quando, caído o muro de Berlim, já nada havia a recear daquelas bandas?
É que estas coisas fazem toda a diferença.
Por mim, parece-me essencial clarificar a natureza exacta dessa discordância.
Será que a manifestaram deixando-se estar muito sossegadinhos enquanto ele permanecia preso durante onze anos consecutivos?
Ou, pelo contrário, fizeram-no enfrentando-o quando ele tinha poder para lhes criar sérios problemas, por exemplo, metendo-os na cadeia?
Ou será ainda que só amadureceram a sua discordância muito mais tarde, quando, caído o muro de Berlim, já nada havia a recear daquelas bandas?
É que estas coisas fazem toda a diferença.
12.6.05
Ímpetos reformistas
Uma discussão fascinante no Becker-Posner blog, sobre as vantagens e desvantagens de haver idades mínimas e máximas obrigatórias para a reforma.
Os candidatos e as suas vozes
Carmona Rodrigues anuncia «Lisboa para todos», uma ideia trivial ou intrigante, consoante o ponto de vista que se queira adoptar.
Carrilho promete «projectos com princípio, meio e fim», presumivelmente ameaçando os indefesos munícipes com mais viadutos, mais túneis, mais casinos, mais teatros recuperados fechados, mais estações de serviço em áreas residenciais, mais permutas de terrenos com os clubes de futebol, mais urbanizações apinhadas, mais arruamentos mesquinhos, mais passeios cobertos de ervas daninhas ou ocupados por estaleiros, mais jardins entregues ao vandalismo e à delinquência, e por aí fora.
Lisboa tornou-se numa cidade hostil que mansamente repeliu a sua população para os subúrbios. Ao fim de semana, ausentes as pessoas que nos dias úteis a ela acorrem para trabalhar, vastas zonas oferecem o aspecto de uma cidade fantasma. Dentro em pouco, a nossa capital terá menos de meio milhão de habitantes, convertendo-se numa irrelevante urbe ibérica de média dimensão.
Tem todo o sentido lembrar, como o faz a candidatura de Sá Fernandes, que uma cidade é - ou deveria ser - gente, e que os «projectos» não servem para nada quando dia a dia tornam a cidade cada vez mais inóspita para essa mesma gente.
A publicidade de Sá Fernandes faz aquilo que a publicidade pode fazer, ou seja, coloca um poderoso holofote sobre o candidato e cria altas expectativas em relação ao que ele a seguir vai fazer e dizer.
Felizmente para nós, não há nada mais eficaz do que a boa publicidade para matar um mau candidato.
Carrilho promete «projectos com princípio, meio e fim», presumivelmente ameaçando os indefesos munícipes com mais viadutos, mais túneis, mais casinos, mais teatros recuperados fechados, mais estações de serviço em áreas residenciais, mais permutas de terrenos com os clubes de futebol, mais urbanizações apinhadas, mais arruamentos mesquinhos, mais passeios cobertos de ervas daninhas ou ocupados por estaleiros, mais jardins entregues ao vandalismo e à delinquência, e por aí fora.
Lisboa tornou-se numa cidade hostil que mansamente repeliu a sua população para os subúrbios. Ao fim de semana, ausentes as pessoas que nos dias úteis a ela acorrem para trabalhar, vastas zonas oferecem o aspecto de uma cidade fantasma. Dentro em pouco, a nossa capital terá menos de meio milhão de habitantes, convertendo-se numa irrelevante urbe ibérica de média dimensão.
Tem todo o sentido lembrar, como o faz a candidatura de Sá Fernandes, que uma cidade é - ou deveria ser - gente, e que os «projectos» não servem para nada quando dia a dia tornam a cidade cada vez mais inóspita para essa mesma gente.
A publicidade de Sá Fernandes faz aquilo que a publicidade pode fazer, ou seja, coloca um poderoso holofote sobre o candidato e cria altas expectativas em relação ao que ele a seguir vai fazer e dizer.
Felizmente para nós, não há nada mais eficaz do que a boa publicidade para matar um mau candidato.
10.6.05
A Europa: história breve de uma utopia milenar
De Carlos Magno para cá, foram muitas e de variada felicidade as tentativas de promover a unificação europeia mais ou menos inspiradas no já longínquo paraíso perdido da pax romana.
As peculiaridades históricas resultantes da nossa marginalidade geográfica mantiveram-nos quase sempre à distância dessas movimentações, com excepção dos 60 anos em que fizémos parte do Império Espanhol.
Não é de estranhar, pois, que a maioria dos portugueses, incluindo alguns historiadores profissionais como Vasco Pulido Valente, acreditem que o ideal da Europa unida é uma coisa muito recente inventada logo a seguir à 2ª Guerra Mundial.
O conhecimento da história europeia deve inspirar-nos algum cepticismo (mas não forçosamente pessimismo) em relação ao projecto da Europa Unida. Ao fim e ao cabo, ele já foi tentado várias vezes no passado, mas acabou sempre, mais tarde ou mais cedo, por ser interrompido e forçado a recuar.
Mesmo nós, portugueses, devemos ter presente que, no tempo dos Filipes, fizémos parte de uma «Europa Unida» durante 60 anos, ao passo que, agora, ainda só levamos 19 anos de União Europeia.
É por isso que, cá para mim, a doutrina do aprofundamento contínuo e ilimitado da união política europeia me cheira a wishful thinking. Não tem que ser necessariamente assim, ou pelo menos, não é sensato definir essa meta. Pode ser que sim, mas também pode ser que não.
O problema, porém, é que, a partir do momento em que se aprovou o tratado de Maastricht, se instituíu o Mercado Único e se lançou a Moeda Única, não restam senão duas alternativas: ou a União Europeia adopta algumas estruturas típicas de um Estado federal; ou então, pura e simplesmente, os estados que a integram deixam de ser verdadeiras democracias, dado que um número significativo de decisões cruciais para a vida de todos nós são tomadas por órgãos não submetidas ao controlo democrático.
É esse o dilema fundamental com que hoje nos defrontamos.
As peculiaridades históricas resultantes da nossa marginalidade geográfica mantiveram-nos quase sempre à distância dessas movimentações, com excepção dos 60 anos em que fizémos parte do Império Espanhol.
Não é de estranhar, pois, que a maioria dos portugueses, incluindo alguns historiadores profissionais como Vasco Pulido Valente, acreditem que o ideal da Europa unida é uma coisa muito recente inventada logo a seguir à 2ª Guerra Mundial.
O conhecimento da história europeia deve inspirar-nos algum cepticismo (mas não forçosamente pessimismo) em relação ao projecto da Europa Unida. Ao fim e ao cabo, ele já foi tentado várias vezes no passado, mas acabou sempre, mais tarde ou mais cedo, por ser interrompido e forçado a recuar.
Mesmo nós, portugueses, devemos ter presente que, no tempo dos Filipes, fizémos parte de uma «Europa Unida» durante 60 anos, ao passo que, agora, ainda só levamos 19 anos de União Europeia.
É por isso que, cá para mim, a doutrina do aprofundamento contínuo e ilimitado da união política europeia me cheira a wishful thinking. Não tem que ser necessariamente assim, ou pelo menos, não é sensato definir essa meta. Pode ser que sim, mas também pode ser que não.
O problema, porém, é que, a partir do momento em que se aprovou o tratado de Maastricht, se instituíu o Mercado Único e se lançou a Moeda Única, não restam senão duas alternativas: ou a União Europeia adopta algumas estruturas típicas de um Estado federal; ou então, pura e simplesmente, os estados que a integram deixam de ser verdadeiras democracias, dado que um número significativo de decisões cruciais para a vida de todos nós são tomadas por órgãos não submetidas ao controlo democrático.
É esse o dilema fundamental com que hoje nos defrontamos.
Altos voos
Há cerca de duas semanas, questionei aqui os efeitos que a entrada da TAP no capital da Varig poderá ter sobre as nossas finanças públicas.
É curioso verificar que, talvez enebriada pela dimensão alegadamente patriótica desta iniciativa, a imprensa económica, entredidíssima com a revelação de reformas suspeitas, não tem prestado qualquer atenção ao assunto. Não restam dúvidas de que a fantasia da re-colonização do Brasil cala fundo na alma portuguesa.
Entretanto, ficou-se a saber que a operação não custará à TAP um tostão (nada de estranhar, visto que o não tem), e que será criada uma sociedade envolvendo capitais de diversa proveniência a fim de alavancar o negócio.
Quanto ao Estado português, «limitar-se-á» a avalizar o negócio. É isso mesmo: «limitar-se-á». Por outras palavras: se a arriscadíssima operação correr bem, todos os envolvidos (cujas identidades de momento permanecem desconhecidas) ficarão contentes; se correr mal, o Estado português pagará a factura.
Nada a que não estejamos habituados.
É curioso verificar que, talvez enebriada pela dimensão alegadamente patriótica desta iniciativa, a imprensa económica, entredidíssima com a revelação de reformas suspeitas, não tem prestado qualquer atenção ao assunto. Não restam dúvidas de que a fantasia da re-colonização do Brasil cala fundo na alma portuguesa.
Entretanto, ficou-se a saber que a operação não custará à TAP um tostão (nada de estranhar, visto que o não tem), e que será criada uma sociedade envolvendo capitais de diversa proveniência a fim de alavancar o negócio.
Quanto ao Estado português, «limitar-se-á» a avalizar o negócio. É isso mesmo: «limitar-se-á». Por outras palavras: se a arriscadíssima operação correr bem, todos os envolvidos (cujas identidades de momento permanecem desconhecidas) ficarão contentes; se correr mal, o Estado português pagará a factura.
Nada a que não estejamos habituados.
Excepção a excepção enche a galinha o papo
António Costa, o Ministro da Administração Interna, anunciou que o aumento da idade da reforma não se aplicará nem à polícia nem às forças armadas.
Terá o Ministro das Finanças sido previamente consultado sobre essa decisão? E, em caso positivo, terá concordado com ela?
Em qualquer das duas alternativas, esta importante excepção - a que inevitavelmente outras se seguirão - indicia uma perda de peso político de Campos e Cunha, e confirma os receios expressos por alguns quando a opinião pública tomou conhecimento da reforma que ele recebe do Banco de Portugal.
Se esta tendência para a abertura de excepções - estribadas em tão elaborada quanto especiosa argumentação - se confirmar nas próximas semanas, é de temer que o Ministro das Finanças não dure até ao Natal.
Terá o Ministro das Finanças sido previamente consultado sobre essa decisão? E, em caso positivo, terá concordado com ela?
Em qualquer das duas alternativas, esta importante excepção - a que inevitavelmente outras se seguirão - indicia uma perda de peso político de Campos e Cunha, e confirma os receios expressos por alguns quando a opinião pública tomou conhecimento da reforma que ele recebe do Banco de Portugal.
Se esta tendência para a abertura de excepções - estribadas em tão elaborada quanto especiosa argumentação - se confirmar nas próximas semanas, é de temer que o Ministro das Finanças não dure até ao Natal.
8.6.05
Os novos inocentes úteis
Finalmente, ouço alguém afirmar que o Não francês também foi dirigido contra nós, um nós vastíssimo que inclui portugueses, polacos, turcos e demais povos exóticos.
O mais preocupante nos referendos francês e holandês não foi a recusa do tratado, porque é evidente que esse problema pode ser resolvido - e eventualmente melhor resolvido - de outras maneiras.
O que é grave é que o chauvinismo latente em vários países europeus encontrou finalmente, após tantos anos na mó de baixo, uma forma eficaz e politicamente significativa de se exprimir e de condicionar o futuro do Continente.
No esencial, o Não francês e holandês foi um voto nacionalista, chauvinista e racista, como, por muito que os anglófilos se recusem a vê-lo, também o é a ameaça do Não britânico.
Eu compreendo perfeitamente que pessoas que abominam essas ideologias estejam, por razões muito respeitáveis de que em parte comungo, contra a aprovação do tratado.
Mas é esta a altura de elas reconhecerem que, não se travando a luta política nas circunstâncias que nós preferiríamos, mas naquelas que efectivamente são dadas, a persistência numa posição irredutível de bloqueio à reforma política das instituições europeias levá-las-á a desempenhar o papel de inocentes úteis em todo este processo.
O Não que ganhou não foi o vosso.
O mais preocupante nos referendos francês e holandês não foi a recusa do tratado, porque é evidente que esse problema pode ser resolvido - e eventualmente melhor resolvido - de outras maneiras.
O que é grave é que o chauvinismo latente em vários países europeus encontrou finalmente, após tantos anos na mó de baixo, uma forma eficaz e politicamente significativa de se exprimir e de condicionar o futuro do Continente.
No esencial, o Não francês e holandês foi um voto nacionalista, chauvinista e racista, como, por muito que os anglófilos se recusem a vê-lo, também o é a ameaça do Não britânico.
Eu compreendo perfeitamente que pessoas que abominam essas ideologias estejam, por razões muito respeitáveis de que em parte comungo, contra a aprovação do tratado.
Mas é esta a altura de elas reconhecerem que, não se travando a luta política nas circunstâncias que nós preferiríamos, mas naquelas que efectivamente são dadas, a persistência numa posição irredutível de bloqueio à reforma política das instituições europeias levá-las-á a desempenhar o papel de inocentes úteis em todo este processo.
O Não que ganhou não foi o vosso.
Identidade e diferença
A ideia segundo a qual «a Europa não tem que se afirmar contra o que quer que seja» é simpática, mas equivocada.
Sem diferença, não existe identidade. Logo, a questão está toda em saber em relação a quê e a quem vamos querer demarcar-nos.
E é claro que a oposição essencial definidora da identidade europeia não pode nem deve fazer-se contra os EUA.
Sem diferença, não existe identidade. Logo, a questão está toda em saber em relação a quê e a quem vamos querer demarcar-nos.
E é claro que a oposição essencial definidora da identidade europeia não pode nem deve fazer-se contra os EUA.
5.6.05
4.6.05
Direitos e privilégios
Se você tem 60 anos de idade e, estando desempregado há dois anos e meio, pretende reformar-se antecipadamente ao cabo de uma vida de trabalho, isso é um inadmissível privilégio que, como tal deve ser, prontamente abolido.
Mas se você foi administrador do Banco de Portugal durante quatro anos e fez dois anos de tropa (note-se a suave discriminação contra as mulheres), a sua pretensão de obter uma reforma é um direito adquirido justificado, no dizer de José Manuel Fernandes, por «fazer parte do pacote remunerativo necessário para conseguir atrair para aquele lugar quadros de qualidade». Palavra?
Quando o Governador do Banco de Portugal afirma que estamos a viver acima das nossas posses e que, por conseguinte, temos todos que fazer sacrifícios, o que ele verdadeiramente quer dizer é: «Vocês estão a viver acima das vossas posses e, portanto, terão que fazer sacrifícios.»
Ao alegar que o Ministro das Finanças está a ser alvo de uma tentativa de assassinato de carácter, Sócrates revela uma surpreendente e preocupante falta de sensibilidade política.
Não está em causa nem a legalidade, nem a legitimidade da reforma que o Ministro aufere. Nem sequer está em causa a sua probidade pessoal.
Infelizmente, todos nós sabemos muito bem o que está em causa. Mais sobre este tema no Diário da República.
Mas se você foi administrador do Banco de Portugal durante quatro anos e fez dois anos de tropa (note-se a suave discriminação contra as mulheres), a sua pretensão de obter uma reforma é um direito adquirido justificado, no dizer de José Manuel Fernandes, por «fazer parte do pacote remunerativo necessário para conseguir atrair para aquele lugar quadros de qualidade». Palavra?
Quando o Governador do Banco de Portugal afirma que estamos a viver acima das nossas posses e que, por conseguinte, temos todos que fazer sacrifícios, o que ele verdadeiramente quer dizer é: «Vocês estão a viver acima das vossas posses e, portanto, terão que fazer sacrifícios.»
Ao alegar que o Ministro das Finanças está a ser alvo de uma tentativa de assassinato de carácter, Sócrates revela uma surpreendente e preocupante falta de sensibilidade política.
Não está em causa nem a legalidade, nem a legitimidade da reforma que o Ministro aufere. Nem sequer está em causa a sua probidade pessoal.
Infelizmente, todos nós sabemos muito bem o que está em causa. Mais sobre este tema no Diário da República.
Adira já
Fernando Gomes acumulou pacientemente pontos com o seu cartão Fast durante anos a fio.
Chegado o momento, consultou o catálogo e escolheu o seu brinde: «Quero este!»
Manuel Pinho, o Ministro da Economia, não tinha outro remédio senão fazer-lhe a vontade, nomeando-o administrador da Galp.
Chegado o momento, consultou o catálogo e escolheu o seu brinde: «Quero este!»
Manuel Pinho, o Ministro da Economia, não tinha outro remédio senão fazer-lhe a vontade, nomeando-o administrador da Galp.
3.6.05
A sagrada hipérbole
A Europa está abalada. A Europa está paralisada. A Europa está em estado de choque. A Europa está à beira do precipício. A Europa mergulha na recessão. A Europa vai regredir. A Europa ameaça desfazer-se. A Europa está à beira do suicídio. A Europa é odiada pelos povos. A Europa não tem futuro. A Europa vai dissolver-se a breve trecho. A Europa acabou. A Europa é uma ficção. A Europa nunca existiu.
Na competição pelo disparate, em que cada comentador procura ultrapassar o anterior carregando ainda mais os traços negros de uma situação que não entende e que, no fundo, não lhe importa, o que manifestamente diferencia a imprensa portuguesa da europeia é a insensatez e a grandiloquência dos propósitos expressos.
Porém, faltava-nos ainda escutar o parecer do histérico-mor do reino, o qual, batendo o seu record pessoal de aspas, dispara hoje furiosamente no Público:
«A 'Europa' não passa de uma 'construção utópica', inventada à revelia do eleitorado, por uma burocracia perversa e uma 'classe política' irresponsável. Era de esperar que, se as coisas dessem para o torto, se começasse a desfazer.»
A Europa que se cuide. Com tipos como este é que ela não faz farinha!
Na competição pelo disparate, em que cada comentador procura ultrapassar o anterior carregando ainda mais os traços negros de uma situação que não entende e que, no fundo, não lhe importa, o que manifestamente diferencia a imprensa portuguesa da europeia é a insensatez e a grandiloquência dos propósitos expressos.
Porém, faltava-nos ainda escutar o parecer do histérico-mor do reino, o qual, batendo o seu record pessoal de aspas, dispara hoje furiosamente no Público:
«A 'Europa' não passa de uma 'construção utópica', inventada à revelia do eleitorado, por uma burocracia perversa e uma 'classe política' irresponsável. Era de esperar que, se as coisas dessem para o torto, se começasse a desfazer.»
A Europa que se cuide. Com tipos como este é que ela não faz farinha!
Fidalgotes
Espanta-se o Paulo Gorjão pela nula importância atribuída pelos media à visita ao nosso país do Presidente da Argélia.
Os portugueses são uns convencidos, caro Paulo. Não sabia disso?
Os portugueses são uns convencidos, caro Paulo. Não sabia disso?
Trampolinices
Há excelentes razões para a nossa Constituição proibir a coincidência de referendos com actos eleitorais.
Entre elas está o intuito de impedir que se misturem alhos com bogalhos, como recentemente aconteceu nos EUA, onde as pessoas, não por acaso, foram convidadas a votar no mesmo dia um candidato presidencial e a proibição dos casamentos gay.
Eis porém, que, por razões de inaceitável oportunismo político, PS, PSD e PP se põem de acordo para procederem a mais uma alteração ad hoc da Constituição, tendo inclusive o cuidado de impedir que o mesmo princípio se aplique a outros referendos ou aquando de outras eleições que não as autárquicas.
Ou seja, o que interessa é resolver esse probleminha de fazer aprovar à sucapa o tratado constitucional europeu. Estes métodos são revoltantes, mesmo para quem se predispõe a votar «Sim».
São coisas destas que conseguem mergulhar um incorrigível optimista como eu numa profunda depressão.
Entre elas está o intuito de impedir que se misturem alhos com bogalhos, como recentemente aconteceu nos EUA, onde as pessoas, não por acaso, foram convidadas a votar no mesmo dia um candidato presidencial e a proibição dos casamentos gay.
Eis porém, que, por razões de inaceitável oportunismo político, PS, PSD e PP se põem de acordo para procederem a mais uma alteração ad hoc da Constituição, tendo inclusive o cuidado de impedir que o mesmo princípio se aplique a outros referendos ou aquando de outras eleições que não as autárquicas.
Ou seja, o que interessa é resolver esse probleminha de fazer aprovar à sucapa o tratado constitucional europeu. Estes métodos são revoltantes, mesmo para quem se predispõe a votar «Sim».
São coisas destas que conseguem mergulhar um incorrigível optimista como eu numa profunda depressão.
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