23.7.03

Estado de catástrofe semiótica. Diz-se que, em 1968, quando os russos invadiram a Checoslováquia, os checos retiraram a sinalização das estradas para impedir que os carros de assalto inimigos conseguissem encontrar o seu caminho.

Se algum inimigo tentasse invadir Portugal (coisa que, caso único na Europa que a todos nos envergonha, ninguém tenta fazer há quase 200 anos) a nossa melhor defesa seria deixar a sinalização tal como está e esperar que ele se perdesse no emaranhado de ruas e ruelas que fazem o encanto deste nosso jardim.

Tanto o intrincado urbanismo das nossas cidades como o traçado sinuoso das nossas estradas e, às vezes, dos próprios caminhos de ferro, testemunham o inegável poder dos pequenos, médios e grandes intereses particulares. Rasgar uma rua a direito, plantar um jardim onde se planeara plantar um jardim, são tarefas hercúleas que, em certos casos, mobilizam e esgotam a opinião pública durante anos.

Muito antes de Einstein, já os portugueses sabiam que o espaço é curvo. Entre nós, o caminho mais curto entre dois pontos é aquele que, entre mil circunvoluções, torneia o quintal de cada um, mesmo que ele seja clandestino (ou, principalmente, se ele for clandestino).

A sinalização das nossas cidades revela também esta paixão nacional pela excepção, forma eufemística de designar a reverência dos poderes públicos perante o egoísmo mais mesquinho. Aqui, é proibido estacionar, excepto viaturas oficiais, médicos ou deficientes. Ali, é proibido virar à esquerda, excepto viaturas da GNR ou veículos das obras. Mais adiante, não se pode virar à direita, excepto transportes públicos ou veículos ligeiros.

Com toda esta trapalhada de ordens e contra-ordens, não admira que, de vez em quando, um automobilista mais confuso apareça a circular fora da mão na auto-estrada.

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