15.7.03

Histeria. Muitos outros países sofrem, acreditem, de problemas bem mais sérios do que nós, sem por isso viverem neste estado de histeria permanente. Porque o que verdadeiramente nos distingue não é nem a perversidade intrínseca dos cidadãos nem a podridão das instituições, mas uma evidente incapacidade para encarar os problemas de frente e responder-lhes de forma organizada.

Basta assistir aos chamados debates na televisão - por exemplo, sobre o alargamento da Europa a Leste - para vermos como os nossos supostos especialistas se consomem durante horas em lamentos, queixas, remoques, sem que alguém pareça capaz de sugerir uma simples ideia sobre o que deve ser feito, quando é claro e manifesto que não nos devemos preocupar mais com a Roménia do que a Espanha se preocupa connosco. Pensar sentado é, seguramente, muito diferente de pensar de pé.

Para radicalizar as diferenças compare-se esta situação com o que se passou nos EUA após o escândalo da Enron. Aí, sim, tratava-se de um assunto sério, tanto pelas suas repercussões imediatas sobre as vidas de tanta gente, como pelas consequências a longo prazo sobre a credibilidade do capitalismo americano. Evidentemente, estavam em causa não só atropelos à lei como condutas imorais de gestores e altos responsáveis de orgãos reguladores. Repare-se, porém, como se perdeu relativamente pouco tempo com «indignações»: quem devia ser preso foi preso, a justiça lançou-se a investigar e a opinião pública dedicou as suas energias a debater o que deve ser feito para prevenir futuras ocorrências similares.

Os nacionalistas acreditam, ou fingem acreditar, que a pátria é uma entidade de direito divino desde que, na batalha de Ourique, um Afonso Henriques desesperado encomendou o país a Nossa Senhora. Sem querer questionar essa estimável hipótese, eu julgo mais produtivo conjecturar que as nações são comunidades que subsistem enquanto se revelam razoavelmente capazes de resolver os problemas internos e externos com que se confrontam.

Acontece que, nesta fase da sua história, Portugal parece notoriamente impotente para se comportar como um homenzinho, ou seja, para parar de chorar, por-se de pé e fazer qualquer coisa. Alguns dirão que sempre foi assim – que Portugal é mesmo assim – mas mesmo esses reconhecerão que às vezes as coisas pioram, e que esta é capaz de ser uma dessas vezes.

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