29.7.03

A estranha superstição das reformas. Ao contrário do que muita gente julga, a fúria reformista é uma característica típica dos países subdesenvolvidos, onde todos os anos alguém descobre a pólvora e promete a regeneração nacional. É por isso que não há reformas estruturais na Suíça ou nos EUA, mas sim na Argentina, na Turquia ou no Bangladesh.

Quando não se tem a mínima ideia do que se deve fazer em concreto, foge-se ao assunto anunciando uma reforma estrutural. Curiosamente, as grandes reformas estruturais – reforma agrária, reforma da administração pública, reforma tributária, reforma da educação, reforma da saúde, reforma da justiça, etc. - são continuamente invocadas durante décadas a fio sem que nada aconteça.

As reformas estruturais falham, está claro, porque mexem com muitos interesses. Quando se proclama com grandes fanfarras que vão ser postas em marcha, o que se consegue é alertar todos os seus opositores para a necessidade de se unirem contra ela. Nenhum caso ilustra este perigo melhor do que a coligação de lóbis da saúde que, em tempos, se formou contra Leonor Beleza.

Uma reforma estrutural é uma revolução, e falha exactamente pelas mesmas razões: voluntarismo a mais e ideias sólidas a menos. O único resultado prático é muita agitação e poucas transformações reais. Entradas de leão, saídas de sendeiro.

As verdadeiras reformas não se fazem de uma assentada: vão-se fazendo, persistentemente, no dia a dia, sem nunca perder de vista o propósito ambicioso que está na sua origem. É isso, aliás, o que a palavra reformismo quer dizer.

A única vez em que se sentiu uma evolução real da máquina fiscal portuguesa foi quando Miguel Cadilhe se encontrava à frente do Ministério das Finanças, apesar de, ao contrário de Leonor Beleza, ele não ter anunciado antecipadamente um combate épico contra as forças do mal.

A crença ingénua no poder mágico das leis-quadro, leis de bases, protocolos e quejandos é uma superstição de que padecem países de mentalidade jurídica estreita como o nosso.

Em Portugal fazem-se reformas a mais, e não a menos. A Constituição, por exemplo, está sempre em obras, e não há maneira de lhes vermos o fim. Mal acaba uma revisão constitucional, anuncia-se logo a próxima. Encontramo-nos em estado de revisão constitucional permanente, de forma que, daí para baixo, é todo o edifício jurídico que se encontra em contínua convulsão, com os resultados conhecidos.

Deitar abaixo e fazer de novo pode ser um modo de vida interessante, mas não é certamente eficaz.

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