Para onde foi toda a gente? Um estrangeiro que desembarque ao fim de semana em Lisboa não pode deixar de interrogar-se, ao contemplar as praças e ruas vazias, onde estarão os indígenas.
Estão, como os insiders bem sabem, nos centros comerciais que se espalham um pouco por toda a área metropolitana.
A realidade essencial da cidade é a circulação. Como, a dada altura, a circulação ficou emperrada por uma urbanização que insiste em conservar as velhas azinhagas e preencher os estreitos espaços vazios entre elas com densa construção em altura, alguém decidiu começar a lançar por toda a parte viadutos e a escavar túneis que permitem aos automóveis ignorar a complexidade da malha citadina passando por cima ou por baixo dela.
O meu exemplo preferido é a impropriamente chamada Praça de Sete Rios. A praça propriamente dita desapareceu nas últimas décadas por baixo de uma emaranhado de vias rápidas, cujo desenho ganharia facilmente o prémio Nobel da estupidez, se acaso ele existisse. Cá em baixo, ao nível do solo, só ficaram parques de estacionamento e mendigos que dormem debaixo da ponte. Lá em cima, nos apartamentos de luxo que rodeiam a praça, os residentes beneficiam de uma deliciosa vista sobre uma das espantosas encruzilhadas rodoviárias do mundo ocidental.
Onde estão os poetas do meu país, que não cantam estas maravilhas?
Então, hoje, a gente tem de percorrer longas distâncias, não só para ir para o trabalho, mas também para almoçar, para ir ao cinema, para fazer compras, para passear, em suma. Isto, é claro, desde que tenha carro, caso contrário encontrar-se-á completamente excluido da cidade. Conheço inclusivamente sítios onde, para percorrer uma escassa centena de metros, seja de carro, seja a pé, as barreiras arquitectónicas nos obrigam a andar um quilómetro para chegar ao destino.
Não podemos encontrar-nos uns com os outros nas praças, porque elas quase desapareceram, de modo que só restam o centro comercial e a estação de serviço. Todos os serviços tendem então a concentrar-se aí, pela simples razão de ser lá que estão os consumidores. Depois, como os terrenos no centro da cidade são caros, os centros comerciais deslocam-se para as periferias, levando as pessoas atrás de si, de modo que, por virtude das auto-estradas, a cidade converte-se numa federação de aldeias.
Não se diga que isto é inevitável. Tanto não é que, ao menos sob esta forma extrema, este modelo urbano é raríssimo na Europa. Para procurar uma coisa de facto semelhante a esta nova Lisboa saloia do princípio do século, temos que olhar bem para lá do oceano, para Los Angeles. Quem terá tido uma ideia tão estranha?
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