11.7.03

Grandes Mistérios (continuação). Eis uma hipótese de solução para o Mistério de ontem. O ciclismo sempre foi - e continua no essencial a ser - um desporto rural. A grande maioria das competições velocipédicas encontra-se associada a festividades e comemorações locais ou regionais, que culminam todos os anos numa Volta ao país que materializa simbolicamente a unidade nacional num circuito pelas suas estradas. Em muitas localidades que as voltas atravessam, a passagem dos ciclistas é o acontecimento do ano.

Os grandes ciclistas de todos os tempos, desde Robic, que, consolado pelos repórteres, chorava perante as câmaras de televisão como um bébé quando não conseguia ganhar, até Joaquim Agostinho, o camponês de Brejenjas, são iniludivelmente homens do campo. Se não erro, hoje continuam a sê-lo.

Apesar de participar do movimento geral da globalização mediática, o ciclismo continua a ser relativamente mais popular nos campos do que nas cidades. Deve ser por isso que entre os patrocinadores se destacam, por exemplo, fabricantes de pesticidas ou de rações para animais. No ciclismo contemporâneo, os campos continuam a cercar as cidades.

As próprias virtudes do ciclismo – a persistência, a capacidade de sofrimento, a resignação, o serviço (ao líder da equipa), a lealdade, a coragem – remetem para um mundo ancestral e genuíno que sobrevive através deste desporto.

Acontece que a crescente população negra europeia é esmagadoramente urbana, não rural. Como tal, mobiliza-se em torno de desportos como o futebol, o basquete ou o atletismo, os quais não podem ser praticados sem equipamentos que só existem em aglomerados populacionais de alguma dimensão. O mundo do ciclismo não exerce sobre ela o mesmo fascínio, porque não tem raízes nesses campos que os ciclistas todos os anos cruzam a alta velocidade.

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