Os comentários ao meu post sobre a proposta de redução dos salários como forma de o país superar as dificuldades fazem-me pensar que vale a pena aprofundar um bocadinho mais o assunto.
Em primeiro lugar, o Luis Aguiar-Conraria observou que, ao contrário de nós, os EUA podem desvalorizar a sua moeda, pelo que, dispondo dessa solução "fácil", não necessitam de reduzir os salários. Ora a verdade é que, embora o dólar tenha perdido quase metade do seu valor face ao euro na última meia dúzia de anos, nem assim conseguiu resolver o problema, de modo que talvez seja altura de algum economista português escrever ao Obama sugerindo-lhe uma redução dos salários americanos.
Ironias aparte, passemos então ao que mais interessa. Uma pessoa que olhe atentamente para os dados da contabilidade nacional não pode deixar de preocupar-se com o desequilíbrio externo da economia portuguesa. (Note-se que eu escrevo sobre esse assunto há anos.) Que diagnóstico fazer? Umas pessoas dirão que a procura é demasiado elevada, seja porque os salários estão altos, seja porque a poupança é baixa. Outras farão notar que a produção é baixa em resultado da baixa produtividade. Muitas notarão que a situação se deve uma combinação dos dois factores.
Ora bem, os contabilistas só olham para os custos, porque a sua formação não os habilita a entender como aumenta a produtividade e que factores são susceptíveis de estimulá-la. Logo, para eles, qualquer solução só pode vir da redução dos salários.
Pelo contrário os economistas sabem que o desenvolvimento das nações nunca se fez com vastos programas de redução de custos mas com esforços denodados para ampliar por diversas formas a capacidade produtiva.
Os problemas de qualquer género não se resolvem remoendo ameaças ou lambendo feridas, mas tirando partido das nossas capacidades para cavalgar as oportunidades que vão surgindo. "Build on strength" significa que nenhuma pessoa, empresa ou país se desenvolve centrando-se nas fraquezas mas capitalizando as competências.
Malabarismos elementares em torno dos agregados da contabilidade nacional são um sinal distintivo dos economistas da treta, bons a identificar problemas e a prever desgraças mas incapazes de propor soluções viáveis. Não valem, obviamente, o dinheiro que custam. São lídimos representantes da "dismal science" (ciência lúgubre) que De Qincey satirizou.
Outro traço distintivo destes impropriamente chamados economistas é a sua irresponsibilidade. Como eles separam a economia das restantes dimensões sociais dos problemas e, em particular, da política, não se sentem na obrigação de considerar a viabilidade genérica das "soluções" que propõem.
"Eu digo a verdade, os políticos depois que resolvam as minudências inerentes à redução generalizada dos salários". Enoja-me esta atitude - garantia de popularidade nos media para aqueles que a assumem - porque não enxergo nela um pingo de seriedade.
A consequência das opiniões irresponsáveis difundidas por tantos economistas preguiçosos é que, na verdade, o país nunca mais se concentra no trabalho que é necessário levar a cabo para desencadear um crescimento substancial da sua produtividade. O assunto é pouco mencionado, há pouca investigação orientada para esse problema, há pouco debate sério e há, sobretudo, pouca acção.
Para que precisamos nós, afinal, de economistas como estes?
19.3.09
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3 comentários:
"No one grows a Business (leia-se Economia) by cutting costs (leia-se salários)".
O resto é aquilo que JPC tão bem caracteriza e adjectiva.
"Anónimo, do 1º ao 7º (...)
"o país nunca mais se concentra no trabalho que é necessário levar a cabo para desencadear um crescimento substancial da sua produtividade"
Cem por cento de acordo.
Quem é que começa?
Ora aí está na mouche mais uma vez!
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