12.3.09

A democracia e a Europa

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Diz o Rui Tavares na sua declaração de candidatura ao Parlamento Europeu na lista do Bloco de Esquerda:

1. A Europa não é uma democracia

2. A Europa tem um problema de democracia

Discordo de 1, concordo com 2.

Na maneira de ver do Rui, a democracia é algo que ou há ou não há. Na minha, pode haver mais ou menos democracia.

Será isto uma minudência? Não me parece, até porque o desenvolvimento do seu raciocínio leva-me a concluir que discordamos também quanto ao que é preciso fazer para tornar a Europa mais democrática.

O meu ponto de partida é este: a economia mundializou-se nas últimas décadas, ao passo que a política permaneceu doméstica. Como consequência, o poder político é constantemente utltrapassado pelos poderes fácticos. É evidente que isso mina a democracia liberal: de que serve eu votar se o meu voto não vai influenciar as decisões que são tomadas?

Parece-me que o fortalecimento da democracia passa, por conseguinte, pelo reforço das instâncias eleitas do poder europeu. Logo, é necessário dar mais poder ao parlamento e é necessário reforçar a componente federal da União Europeia.

Como se faz isto? O caminho é estreito, porque os adversários são vários e poderosos. Em primeiro lugar, há os tais poderes fácticos (neste momento enfraquecidos) que tiram partido do actual vazio. Em segundo lugar, há os preconceitos nacionais e chauvinistas que se opõem à transferência de poderes para o nível europeu. Finalmente, há a falta de iniciativa política ao nível popular favorável ao federalismo, um facto central que o Rui Tavares ignora por completo.

As posições do BE e do PCP não ajudam nada a resolver estes problemas. Em primeiro lugar, exactamente porque sustentam que a UE não é uma democracia, fazem continuamente propaganda contra a Europa (digam o que disserem, é de facto isto que se passa no dia a dia). Em segundo lugar, opõem-se a todas as iniciativas existentes em favor do federalismo e do reforço dos poderes do PE, como é o caso do Tratado de Lisboa. Em terceiro lugar, exigem referendos em que se aliam às forças xenófobas para boicotar a construção europeia.

Esta actuação negativa é disfarçada afirmando-se que se quer uma Europa, mas não esta. O PCP diz que é a favor da Europa dos trabalhadores contra a Europa dos capitalistas. O BE diz que é a favor do europeismo, conquanto que seja de esquerda.

Na verdade, estas forças políticas desempenham um papel muito nocivo impedindo o desenvolvimento de uma política europeia e de um debate político europeu. Para elas, como agora mais uma vez se vê, a Europa serve apenas de argumento para marcar pontos na luta política interna.

O raciocínio do Rui é sustentado por um basismo insustentável. Diz-nos ele que o Tratado de Lisboa só é aceitável se for referendado e que o mais importante é a maneira como se fazem as coisas. Esta posição é historicamente falsa, é demagógica e é paralisante. Fico com a sensação que, para o Rui, a única democracia legítima é a democracia directa, algo de que discordo profundamente.

Depois, noto com algum desapontamento que, tirando a insistência no referendo ao Tratado de Lisboa - uma exigência que, muito possivelmente, estará hoje obsoleta – o Rui de facto não propõe nada, desculpando-se com o argumento (fraquinho, muito fraquinho) de que deveriamos discutir "o que se fez" e não "o que se vai começar a pensar talvez em fazer". Lamento, mas o que os eleitores esperam dos candidatos é que façam história, não que a contem.

(A única proposta concreta é que fechemos o off-shore da Madeira antes de os outros fecharam os seus, o que é uma medida – absurda, diga-se – de política interna.)

De maneira que o Rui acaba por ficar-se por um apelo final à impaciência, que é tudo o que há de mais inapropriado nos tempos que correm. Se queremos que desta catastrófica depressão saia algo de positivo para a esquerda, do que precisamos é de muita ponderação e sentido estratégico, porque os tempos não correm (para já) a nosso favor.
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