14.7.09

A continuação do cavaquismo por outros meios

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Os capítulos 4 a 7 são o cerne do livro de Vítor Bento. Neles, o autor traça a evolução da presente crise desde o seu início até à actualidade, dividindo a análise em dois grandes períodos (1995-2000 e 2000-2007), o que lhe permite concentrar-se nas grandes tendências, sem se perder nos meandros das flutuações de curto prazo.

Vejo na periodização escolhida dois inconvenientes com relevantes consequências para o diagnóstico das causas do problema. O primeiro consiste em tomar o ano 2000 como ponto intermédio, uma decisão que me parece arbitrária por nada de especial nele se ter passado. Teria sido mais lógico escolher 2002, o ano em que o euro substituiu o escudo.

O segundo inconveniente – tomar 1995 como ponto de partida – é, a meu ver, mais importante. Temo bem que a única justificação para a escolha de Vítor Bento seja a substituição do PSD pelo PS no poder e o desejo de atribuir a essa mudança política a progressiva degradação da situação económica nacional.

Ora, é um facto inquestionável que as nossas contas externas se deterioraram quase ininterruptamente entre 1989 e 2000, o que sugere que o impacto positivo da adesão à então CEE foi muito mais passageiro e frágil do que vulgarmente se diz. Entre o primeiro desses anos e 1996, o desequilíbrio foi colmatado pelo afluxo de fundos europeus e de investimento estrangeiro, mas, desde então, isso nunca mais foi possível.

Tendo, por isso, a pensar que o impropriamente chamado guterrismo não foi mais do que a continuação do cavaquismo por outros meios, e que este último consistiu na organização de uma gigantesca máquina de distribuição de dinheiro sem grande critério pelas corporações empresariais e sindicais que souberam mobilizar-se para a patriótica finalidade de mostrarem ao país a via mais rápida para o prosperidade europeia.

Podemos encontrar desculpas mais ou menos aceitáveis para o que então se passou, mas não podemos ignorar que o resultado real de uma tal política consistiu afinal em proteger uma estrutura económico-social já então caduca, que encontrou nos celebrados “fundos europeus” o seu seguro de vida.

A principal crítica que se pode fazer aos governos de Guterres é eles não terem sabido ou querido romper com esse projecto mesquinho e sem futuro. Mas não se pode razoavelmente pretender que eles tenham inventado alguma coisa.

(Continua)
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