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Vítor Bento abre "Perceber a Crise..." com uma melancólica citação que interpreta como prova de que "os problemas que actualmente nos ocupam (...) nada têm de novo", visto que, no fundo "são o resultado de mais uma recorrência de atávicas características comportamentais que, infelizmente, parecem inscritas no nosso ADN cultural".
Se isso fosse verdade, V. Bento deveria interromper logo ali o seu trabalho. Para quê dar-se à colossal maçada de escrever um livro interpretando a crise e propondo soluções para ela, se a sua origem (o nosso ADN cultural mandrião) está identificada e se, sendo ela congénita, o mal não tem solução? Concluo eu daí que o autor não acredita demasiado na sua tese fundadora.
Cabe, de facto, perguntar: se há algo de intrinsecamente errado no nosso ADN, como se explica que ele às vezes produza bons resultados e outras vezes nos empurre para a mais negra desgraça?
A explicação moralista afigura-se-lhe, porém, demasiado útil como muleta argumentativa, de forma que V. Bento socorre-se dela cada vez que não quer ou não pode aprofundar as causas especificamente sociais e políticas dos problemas que discute.
V. Bento elogia o Portugal do tempo dos Descobrimentos, mas critica a decadência que se teria instalado a partir do final do século dezasseis (um equívoco que não me dá agora jeito desmontar). Do mesmo modo, sustenta que, em tempos recentes, só trocámos a atitude da formiga pela da cigarra depois da adesão do euro, de modo que, afinal, o malfadado ADN parece que tem dias, ou melhor décadas.
Mas, afinal, em quê e como se distinguem precisamente nos planos dos comportamentos e das políticas económicas as cigarras cavaquistas das formigas guterristas? V. Bento não entra em grandes detalhes, e ainda bem para ele. Parece que tudo se resume aos problemas da poupança e do endividamento. Tentarei mostar que isso não faz grande sentido.
Resta como calcanhar de Aquiles da análise de V. Bento esta ideia pueril segundo a qual a economia progride quando as pessoas se portam bem e regride quando caem no pecado.
O desenvolvimento, meus amigos, não é o prémio da virtude. Se fosse, o caso resolver-se-ia fazendo penitência - o que, como adiante veremos, é afinal a única coisa que V. Bento tem para nos propor.
(Continua...)
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6.7.09
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1 comentário:
João,
"O desenvolvimento, meus amigos, não é o prémio da virtude. Se fosse, o caso resolver-se-ia fazendo penitência - o que, como adiante veremos, é afinal a única coisa que V. Bento tem para nos propor"
Na Mouche. Muito bom
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