Maquiavel fotógrafo. Uma leitura recente de dois relatos de Maquiavel (a vida de Castruccio Castracani e a descrição dos feitos sanguinários do Duque Valentino, mais conhecido como César Bórgia) confrontou-me de novo com a típica incomodidade que tão amiúde aflige os seus leitores.
Mais ainda do que n’O Príncipe, é nestes relatos objectivos, frios e distanciados, onde ele descreve com tranquila minúcia e cruel detalhe, como se nada fosse, os crimes hediondos de personagens que, pela simples saliência que lhes é concedida, de algum modo aparecem como exemplares não se sabe bem de quê, que somos inevitavelmente levados a questionar-nos sobre os verdadeiros propósitos de Maquiavel.
Desde há séculos que duas correntes principais se formaram. De um lado, os que vêem em Maquiavel o cínico imoral para o qual a política não passa da continuação da guerra por outros meios, o teorizador do princípio de que os fins justificam os meios, o mestre e inspirador de todos os tiranos. Do outro, os que argumentam ter ele apenas procurado mostrar aos oprimidos como a política verdadeiramente é, despida das diáfanas vestes da ideologia que justificam as acções dos poderosos em nome do bem, da moral ou da vontade divina. Por outras palavras, Maquiavel tirano contra Maquiavel republicano.
Maquiavel deixa todo o trabalho ético para o leitor. Quanto a ele, limita-se a passar-nos a insustentável responsabilidade de tirarmos as nossas próprias conclusões e de vivermos com elas como bem nos aprouver. Exige-nos que sejamos talvez mais livres do que estamos preparados para ser. É, por isso, o autor moderno por excelência
Maquiavel, precursor da arte fotográfica, talvez pudesse ser essa a conclusão apropriada deste comentário.
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