31.8.03

Não posso calar-me por mais tempo. Farto de ouvir reformadores e pedagogos incitarem permanentemente os jovens a lerem mais livros, não posso calar por mais tempo a minha indignação.

Também eu fui, em tempos longínquos, um jovem despreocupado e feliz, que contemplava a vida com optimismo. Desde que comecei a ler, porém, nunca mais a minha cabeça teve descanso.

Aqueles que exortam os jovens a entregarem-se à leitura, das suas uma: ou são mal intencionados, ou nunca leram verdadeiramente eles próprios, e por isso desconhecem os terríveis malefícios desse vício. A decisão de ler não pode ser tomada de ânimo leve. Quantos e quantos não enveredaram por essa via convencidos de serem suficientemente fortes para manterem o controlo sobre si mesmos, para posteriormente mergulharem, progressivamente, na mais negra abjecção!

Desconhece-se, ainda hoje, quantas vidas promissoras foram destruídas pelos livros, quantas famílias se desfizeram, quantas nações se arruinaram. Os jovens mergulham com inocência na leitura de um livro, comvencidos de que se trata apenas de um simples divertimento como outro qualquer - ir à praia ou à discoteca, por exemplo. Nada disso! Atrás de um livro vem outro, e outro, e outro...

A origem do problema resulta de os livros serem muito mais aliciantes do que a vida. Daí jovens frustrados e infelizes, alienados pela falta de valores da sociedade contemporânea, sentirem-se tentados a trocar a segunda pelos primeiros. E quem poderá censurá-los? Uma vez iniciado, trata-se de um caminho sem regresso. Para os leitores, a vida não é senão uma sequência de livros, contra vontade interrompida aqui e além por breves intervalos destinados a assegurar a sua sobrevivência, tais como comer e dormir. Já os ouviram falar sobre si? Pois não é verdade que, para a quase totalidade deles, não é possível mencionarem este ou aquele episódio da sua vida sem referi-la a este ou àquele trecho deste ou daquele autor?

A triste mas indiscutível verdade sobre este flagelo cuja gravidade não foi ainda compreendida é que, para um verdadeiro leitor, para um leitor que verdadeiramente se preze, de nada vale ler um livro se não puder lê-los todos. Por isso, um leitor não pode ser um cidadão produtivo e responsável. No trabalho, está ausente e é incapaz de cumprir as suas tarefas em diligência, porque não lhe sai da cabeça aquele diálogo que teve que interromper para ir para o escritório. Na família, isola-se dos seus parentes no seu quarto, não colabora nas tarefas domésticas, não vem para a mesa a horas, não ajuda a mudar as fraldas, chega a faltar ao funeral do avô porque não consegue pousar o livro, a revista, o jornal, o catálogo ou o folheto quando o chamam.

O leitor é, não se duvide, um ser anti-social. Já foi proposto abolir os livros, mas isso não seria solução, porque, nesse caso, os infelizes afectados por este mal dedicar-se-íam a ler os letreiros nas ruas, os bilhetes de avião, as instruções de operação do DVD ou, pior ainda, os blogues da internet.

Não, meus amigos, este problema não se resolve com leis ou meras medidas repressivas. Do que nos precisamos é de uma reforma das mentalidades.

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