2.9.03

Choque e espanto. Depois de dois anos a falar-se diariamente do crescimento do endividamento e do déficite orçamental, faz impressão o persistente tabú em torno de uma questão que está nas origens desses problemas. Refiro-me, é claro à adesão ao euro.

A adesão ao euro exigiu uma marcha forçada no sentido da convergência nominal, ou seja, da rápida descida da inflação e das taxas de juro. Segundo a ortodoxia vigente, não haveria problema nenhum, porque a teoria das expectativas racionais ensina que, ao contrário do que Keynes pretendia, as pessoas não sofrem de ilusão monetária. Quer isto dizer que, se a inflação e a taxa de juro descem a par e a taxa de juro real permanece mais ou menos constante, o endividamento não aumentará.

Sabemos agora como essas teses estavam erradas. A brusca descida da taxa de juro estimulou os particulares e as empresas a recorrerem cada vez mais ao crédito. Era de esperar que assim fosse, num país paupérrimo, de procura reprimida pela tradicional dificuldade de aceder ao crédito. Toda a gente aproveitou para comprar uma casa melhorzinha ou para fazer obras, muitos para comprar o primeiro carro. Ao contrário do que se insinua, o grosso do endividamento não pagou férias nas Caraíbas, mas coisas triviais para o conforto das famílias. Quanto às empresas, a generalidade adquiriu equipamento de que necessitava, e os grandes grupos investiram no Brasil ou na Polónia.

Tudo muito previsível, portanto. Argumenta-se agora que o Estado deveria ter contrariado este movimento reduzindo substancialmente o seu déficite. Aqui é preciso lembrar várias coisas. Em primeiro lugar, não se vê porque é que o Estado não deveria aproveitar também as taxas de juro baixas para investir em infra-estruturas essenciais que tanta falta fazem ao país. Ou será que o Estado deve endividar-se quando as taxas de juro estão altas? Em segundo lugar, o déficite foi de facto reduzido muito significativamente até 2000. Em terceiro lugar, ainda não vi ninguém fazer contas e mostrar de que dimensão deveria ser o supéravite do Orçamento para contrariar o endividamento do sector privado; se calhar é porque a dimensão da tolice deve permanecer em segredo.

Logo, chegamos à conclusão de que as dificuldade que estamos a passar se devem essencialmente à forma precipitada como aderimos ao euro. Agora, há pessoas que chamam a atenção para o facto de a Grécia estar a crescer mais do que nós, esquecendo-se de notar que, precisamente, a Grécia não aderiu ao euro.

Esta direita agora é assim. Lança com grande fragor umas campanhas de choque e espanto, sejam eles militares ou económicas. Depois, quando acontece exactamente aquilo que era de prever, as razões anteriormente evocadas são esquecidas e inventam-se a posteriori novas justificações, sem nunca, nunca, dar a mão à palmatória. De passagem, os responsáveis acabam por ser os anjinhos que acreditaram piamente neles e não perceberam a tempo aquilo em que se estavam a meter.

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