Leni. Há apenas dois dias referi-me num post a Leni Riefenstahl a propósito das tentativas de reabilitação da memória de Heidegger, e eis que os jornais de hoje informam que ela acaba de morrer.
A propósito de Leni ouve-se coisas do género: «O conteúdo é ignóbil, mas a forma artística é sublime». O mesmo vale por dizer: «Tal criminoso é repugnante, mas a inteligência do seu método merece respeito». Do assassinato como uma das belas-artes?
A propósito do Triunfo da Vontade (um título que é, em si mesmo, todo um programa filosófico), dizia Leni num documentário que há aproximadamente um ano vi na televisão que se limitou a filmar o nazismo tal como era deixando-nos a nós, espectadores, a liberdade de o criticar. Mas o Triunfo é uma das peças centrais criadoras da ideologia nazi; logo, Leni esteve longe de ser neutra nesse processo. O confronto entre o filme do 1º Congresso e o do 2º mostra bem como um bando semi-anárquico de desordeiros foi transformado pelo poder do cinema e pela arte de Leni numa organização temível e respeitada.
Leni Riefenstahl concebeu o modelo estético e propagandístico que hoje reconhecemos como especificamente nazi. A força irresistível resultante da unidade do povo sob o comando do chefe que encarna a vontade colectiva – é essa a mensagem nuclear do manifesto cinematográfico por ela produzido. Como é que alguém que faz este filme pode pretender que ele não é um objecto político?
A total ausência de sentido de culpa revelada até ao fim da vida por gente como Leni Riefenstahl, Heidegger ou Junger é, em si mesma, um sintoma da moral nacional-socialista: cada indivíduo limita-se a fazer o que tem que fazer, e isso é-lhe ditado pela vontade do povo mediada pelo chefe. Como pode alguém que se limita a obedecer a ordens ser culpado?
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