3.9.03

Porque é tão má a televisão? Ninguém pode ignorar que a televisão é hoje, em Portugal, uma área de desastre. Digo-o com mágoa, porque acreditei na altura que o aparecimento da televisão privada conduziria de facto a um alargamento das liberdades públicas. Aqui há uns anos fiquei também irritado quando alguns sujeitos, entre eles o Karl Popper, defenderam que era necessária alguma forma de censura para meter a televisão na ordem, mas hoje confesso que já não sei o que pensar.

A avaliar simplesmente pelos resultados, dir-se-ía que a televisão privada foi uma má ideia e que, por conseguinte, talvez fosse preferível voltar a trás e renacionalizá-la. Mas vamos mais devagar e comecemos primeiro por tentar compreender o que se está a passar.

O primeiro mito que é primeiro desfazer é o de que a televisão é má porque o público telespectador é chunga e, para assegurar boas audiências, os pobres directores dos canais têm que pôr no ar coisas mesmo ordinárias. Isto é falso, pelo simples motivo de que a televisão generalista de sinal aberto não é paga pelos telespectadores, mas pelos anunciantes. Dir-se-á que é a mesma coisa, visto que os anunciantes só dão dinheiro para programas que o público quer ver, mas isso não é verdade.

Esta questão é um bocado técnica mas, basicamente, quando as pessoas não pagam um preço pelas suas escolhas, não há maneira de manifestarem adequadamente as suas preferências e, portanto, não existe um mercado bem formado. Isso sucede porque os telespectadores não podem manifestar a intensidade das suas preferências. Se metade das pessoas mais uma querem ver o Big Brother e metade menos uma quer ver uma peça de Shakespeare, ganha o Big Brother, mesmo que as pessoas que preferem o teatro estivessem dispostas a pagar um preço mais elevado para ver o seu programa preferido do que as que vão mais à bola com o reality-show.

É isso que explica que, entre todas as formas de cultura popular, é a televisão que produz os piores resultados de todos os pontos de vista, incluindo o da simples decência. Se alguém julga que este ponto de vista é muito original, desengane-se: recomendo a consulta de um manual standard, como o Microeconomia e Comportamento, do Robert H. Frank, traduzido para português pela McGraw Hill, que nas páginas 659 e 660 trata deste assunto. Peço desculpa, mas às vezes dá jeito um argumento de autoridade.

Portanto, podemos tirar daqui duas conclusões. Em primeiro lugar, o problema não está no gosto do público, mas sim no facto de ele não poder manifestar-se de uma forma apropriada. Em segundo lugar, a degradação da qualidade da televisão está associada à gratuidade e, portanto, não se põe quando ela é paga.

Vai daí, um argumento liberal diz que a própria indigência da tv generalista de sinal aberto leva-a à ruína, na medida que, em cada mês que passa, cada vez mais gente muda para o cabo (parcialmente pago) e para os canais codificados. A televisão é má porque é grátis, mas vai-se tornando melhor à medida que deixa de sê-lo. O resultado final será bom para todos e salvará a democracia da degradação.

Eu acho que isto é verdade, mas há um problema. Este sistema condena à ignorância e à mediocridade aqueles que não têm meios para aceder à televisão, ou seja, os mais pobres (e, já agora, os seus filhos), o que me parece inaceitável.

É por isso que é indispensável um serviço público de televisão de qualidade. Sucede, porém, que isso custa dinheiro, muito dinheiro. Valerá a pena? Para mim, a resposta é positiva: o problema principal da RTP nunca foi ser cara (o seu badalado déficite é inexpressivo, comparado com os de outras televisões públicas europeias como, por exemplo, a espanhola), mas sim ser má. Numa época em que as crianças são mais educadas pela televisão do que pela escola, não será óbvia a importância do investimento numa televisão de qualidade para o desenvolvimento harmonioso do país?

O problema é que a nossa classe dirigente não entende isto, como também nunca entendeu a importância da educação popular, razão pela qual só agora estamos a atingir os níveis de alfabetização que a Escandinávia alcançou no final do século XIX. Está aqui um problema político sério que deve ser encarado com a importância que merece.

Sem comentários: