Meditações inconclusivas sobre o terrorismo. Todos os problemas admitem uma solução simples, rápida e errada. Creio que foi H. L. Mencken quem disse isto, mas a frase veio-me agora à mente a propósito do terrorismo, um dos muitos problemas para os quais todos os dias são propostas soluções simples, rápidas e erradas.
A verdade é que, ou se sabe pouco sobre o terrorismo, ou quem sabe muito fala pouco, ou é pouco escutado, o que vem a dar no mesmo. Entretanto, aqui ficam algumas reflexões razoavelmente desgarradas sobre o tema, de quem não sabe muito sobre ele mas está disponível para pensá-lo seriamente.
1. Para os adeptos do «fogo neles», o terrorismo é um fenómeno que se situa para além do compreensível, para além do racional, logo aquém do humano. Por isso, os terroristas não devem, naturalmente, beneficiar da protecção que a lei concede aos outros cidadãos, aos cidadãos «como nós». Que apodreçam, pois, num lugar longínquo qualquer, como Guantanamo, por exemplo.
2. Também acreditam essas almas simples que o terrorismo só pode ser combatido por formas extremas de violência legítima ou legitimada. Ora, embora a renúncia à violência para combater o terrorismo seja tolice, em última análise o terrorismo não é vencido pela violência, antes se alimenta dela, porque a sua lógica é a do martírio.
3. O terrorismo não admite explicações simples, como aquelas que o atribuem à pobreza ou à opressão política. O terrorismo é um fenómeno humano, demasiado humano, e por isso mergulha as suas raízes em frustrações de origens obscuras que podem exprimir-se de várias maneiras. A esperança está em conseguir que elas sejam sublimadas de formas relativamente benignas quer para o indivíduo, quer para a sociedade.
4. O terrorismo aparece e desaparece de forma aparentemente inesperada ao longo da história. Entre a segunda metade do século XIX e a I Guerra Mundial, a Europa foi abalada por uma vaga incontrolável de brutais atentados terroristas de inspiração anarquista que atingiu quase todos os países e que, em Portugal, vitimou o rei D. Carlos. Depois de 1918, porém, o terrorismo político regrediu rapidamente nesta parte do mundo, e isto apesar de a violência política ter crescido até desembocar, em vários países, em guerras civis. Embora Auschwitz não seja preferível ao terrorismo anarquista, é, sem dúvida, diferente.
5. O terrorismo aparece frequentemente associado a situações insuportáveis de humilhação e desespero. Se houver humilhação, mas não houver desespero, pode haver violência política, mas de outro tipo, ou seja claramente orientada para fins de tomada do poder e não com intuitos meramente excitativos. Foi isso, suponho, que aconteceu na Europa ao terminar a I Guerra Mundial.
6. Uma das características distintivas do terrorismo moderno (modernidade esta que remonta ao século XIX) parece-me ser o seu carácter marcadamente propagandístico, particularidade que é exacerbada na era da televisão globalizada ou, como diria o outro, na era da aldeia global. Os atentados terroristas têm assegurada uma espantosa cobertura mediática, tanto mais vasta quanto mais sanguinários e espectaculares eles forem. Praticar um atentado é uma forma de marcar uma posição, custe o que custar e custe a quem custar. Paradoxalmente, a própria «guerra contra o terrorismo» aumenta ainda mais a eficácia comunicacional do terrorismo.
7. A doutrina explícita das Brigadas Vermelhas italianas dos anos 70 pode resumir-se assim: O povo está anestesiado pela democracia burguesa e, como tal, não podemos esperar que se revolte contra ela. Então o nosso objectivo é, através das nossas «acções exemplares» semear o terror e dar trunfos às forças mais reaccionárias para que, aproveitando-se de um ambiente de crescente crispação política, instaurem um regime autoritário, de preferência fascista. Como com o fascismo a opressão se intensificará, o povo será finalmente obrigado a revoltar-se e a tomar o poder. O argumento é suficientemente imbecil para não merecer uma refutação cuidada. Mas a primeira parte tem algum fundamento: onde reina o medo, estão reunidas as condições para o triunfo da autoridade incontrolada. Iremos fazer a vontade a Bin-Laden? (Partindo do princípio de que ele existe, o que é inteiramente irrelevante.)
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