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Vítor Bento afirma no seu livro “Perceber a Crise...” que a origem das nossas presentes dificuldades remonta à entrada na União Económica e Monetária. Não creio que seja precisamente essa a origem, mas concedo que foi um momento crucial.
O argumento de V. Bento é conhecido. Concretizada a adesão à UEM, mais tarde confirmada com a adopção do euro, o país ficou privado de política monetária e cambial autónoma. Por conseguinte, não mais pode recorrer à desvalorização da moeda para compensar insuficiências internas.
Acresce que: 1) essa transformação coincidiu com um período de afirmação internacional das economias da China, da Índia e do leste europeu; 2) a simples introdução do euro implicou a imediata eliminação ou deslocalização para fora do país de muitas actividades de serviços, designadamente comerciais. Do primeiro factor, devidamente acentuado por V. Bento, resultou uma pressão competitiva muito agravada sobre as nossas empresas exportadoras; do segundo, que não refere, a súbita liquidação de muito emprego qualificado.
A convergência nominal arrastou a queda das taxas de juro. Como seria de esperar, disparou o endividamento das empresas, das famílias e também do Estado. (Aqui convém recordar que, à data, muitos académicos previram que isso não aconteceria, visto que, segundo as suas teorias, a ilusão monetária não existe, logo só as taxas de juro reais importam.)
Se tudo isso era previsível, como é que os partidários da adesão ao euro se permitiram ignorá-lo? É aqui que entramos num terreno decisivo.
Para V. Bento e para os economistas que pensam como ele, era tudo muito fácil. Bastaria que o governo português tivessa imposto flexibilidade adicional ao funcionamento dos mercados de trabalho e de produtos e que reduzisse as despesas públicas tanto quanto fosse necessário para contrariar o aumento do endividamento privado.
Esta recomendação é uma variante do “faz força, que eu gemo”. Certos economistas empurraram o país para uma camisa de onze varas e, depois de ele lá estar enfiado, exortam-no a desenrascar-se.
Por outras palavras, eles congeminam uma política muito certinha no papel, mas não cuidam de ponderar as condições políticas e sociais indispensáveis à sua consecução. É, aliás, em boa medida nesta despreocupação que consiste a alegada “pureza científica” desta forma de conceber a teoria económica. Eles dizem como é; quanto ao resto, os políticos, os empresários e os trabalhadores que resolvam.
Ora, há algumas perguntas que, até hoje, eu ainda não vi serem respondidas.
Por exemplo, como seria possível um país com as graves carências sociais que Portugal exibia cortar drasticamente a sua despesa pública? Qual é a ideia: cortar na educação e na saúde, visto ser aí que se concentra a grande fatia de funcionários? Ou antes cortar no investimento público - e exactamente em quê?
Mais: qual deveria ser a dimensão do excedente das contas públicas necessário para contrariar o inevitável acréscimo do endividamento privado, dado que o país não controla a taxa de juro? E qual a dimensão da recessão que resultaria dessa loucura?
Usualmente, evade-se essas questões alegando que, se a Espanha e a Irlanda conseguiram equilibrar as suas contas públicas e ainda assim crescerem mais que nós, também nós poderíamos tê-lo feito.
Este argumento inverte o sentido de causalidade: como esses países continuaram a crescer, não lhes foi difícil reduzir ou eliminar o défice em proporção do produto. Tanto isto é verdade que, mal o seu crescimento estancou, logo se revelaram neles desequilíbrios orçamentais bem maiores do que o nosso.
A minha conclusão, por conseguinte, é que a adesão ao euro foi imposta ao país sem sentido de responsabilidade e a pretexto de ilusórias vantagens que, de facto, jamais se concretizaram. Foi o nosso Grande Salto em Frente doméstico, promovido por políticos e economistas sem mundo nem cultura a quem a ideologia toldou o juízo.
Agora, que não podemos sair nem podemos ficar, a dimensão do erro é manifesta para todos. Mas nem assim os que nos atiraram para aqui são capazes de fazer mea culpa. Eles estavam e estão certos, o país de incapazes e mandriões que nós somos é que está errado.
(Continua)
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9.7.09
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3 comentários:
Muito bem, concordo com todas as suas críticas.
Excelente a todos os títulos. Um certa visão normativa de políticos e economistas levou-nos a isto. Mas o que é estranho é que não reconheçam o erro. Isto é, a adesão ao Euro pressopunha um conjunto de alterações estruturais que não era possível fazer no período de adesão. A culpa, no fim, foi do "povo" que não se mudou a tempo. Depois disto, a solução não é nenhuma que se veja. Sobretudo, porque estamos em democracia e é isso que estes economistas ainda não perceberam.
"A minha conclusão, por conseguinte, é que a adesão ao euro foi imposta ao país sem sentido de responsabilidade e a pretexto de ilusórias vantagens que, de facto, jamais se concretizaram."
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Havia que fazer parte do pelotão da frente. A decisão foi política. Estudos? Consequências? Vão (foram) no Batalha? É como hoje em dia a estória da constituição europeia... o que interessa à pulga é correr lado a lado com o elefante para poder olhar para trás e dizer "Fazemos muita poeira!"
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