29.9.06

Em defesa da Directora da Ópera de Berlim



Tal como a primeira obrigação dos médicos é não piorar o estado de saúde dos doentes, a dos comentadores é não tornar as coisas mais confusas do que elas já são.

Recapitulando, Kirsten Harms, a Directora da Ópera de Berlim (em cima, na foto), foi avisada pelo Gabinete Federal de Investigação Criminal que, se a representação programada de Idomeneo se concretizasse, haveria um "risco incalculável de segurança".

Que faria o leitor se estivesse no lugar dela?

Em primeiro lugar, perguntaria à polícia se se encontrava em condições de eliminar o perigo pela raiz, ou pelo menos de controlá-lo. Pelos vistos, a polícia não pôde dar essa garantia.

Restava então a Kirsten Harms uma alternativa: ou mantinha a programação como se nada fosse, correndo o risco de ser responsabilizada pela eventual catástrofe; ou avisava o público da situação criada pelo alerta policial.

Uma terceira possibilidade consistiria em revistar todos os espectadores à entrada e encher o teatro de polícia durante o período em que a ópera se mantivesse em cena.

Ainda assim, a menos que as medidas excepcionais de segurança se mantivessem indefinidamente, não poderia prevenir a ocorrência de um ataque no futuro.

Como se vê, está aqui em causa um conflito de direitos. O público tem o direito de assistir aos espectáculos que entender, mas também tem o direito de lhes sobreviver. Qual deles deveria ter precedência - tal foi a questão com que Kirsten foi confrontada.

Há menos de dois meses, a polícia do Reino Unido soube que se preparavam atentados em larga escala contra aviões que deveriam levantar voo do país. Também aqui o direito à segurança se contrapôs a um outro, a liberdade de circulação - algo tão natural que já nem lhe damos muita importância, embora na China, por exemplo, ele não exista.

As duas situações diferem, entre coisas, nisto: ao passo que a polícia britânica fundamentou o alerta lançado, prendendo muita gente e apresentando a tribunal um certo número de suspeitos, a alemã foi incapaz de fazê-lo.

Não podemos, portanto, deixar de perguntar em que se baseou para afirmar que existia o perigo de um ataque. E, na ausência de uma explicação, não podemos deixar de notar que foi de facto a polícia quem pôs em causa a liberdade de expressão ao fazer o que fez do modo que o fez.

Ademais, é perturbador observar que muitas das pessoas que na actualidade mais se indignam com os ataques às liberdades de expressão não têm grande currículo para apresentar nessa matéria. Note-se, por exemplo, que as tiradas mais inflamadas a propósito deste caso vieram do líder da União Social-Cristã bávara (CSU), uma espécie de PSD Madeira lá do sítio, para quem a decisão da companhia de ópera revela "o medo extremo da violência" e que a qualificou como ato de "pura cobardia".

Juízo, juízo...

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