Num filme de cujo nome não me recordo, o Mastroianni vai a um ensaio de orquestra visitar o filho que é percussionista.
Depois de bater os pratos no momento azado, o filho vem até à plateia ter com ele e diz-lhe: «Vamos tomar um café, mas temos que ser rápidos: daqui a dez minutos entro outra vez». Na conversa que se segue, Mastroianni tenta convencer o filho, que o ouve com mal disfarçada condescendência, que ele é o melhor da orquestra e que todos os outros estão a aproveitar-se do seu trabalho.
Psicologicamente falando, o percussionista é o aristocrata da orquestra. Enquanto os operários se esfalfam a dar ao arco ou a soprar até perder o fôlego, ele contempla o afã da oficina a seus pés com ar enfadado, do alto do seu posto de controlo e, de vez em quando digna-se bater o timbale ou sacudir os ferrinhos. E, lá no fundo, por detrás da sua fingida indiferença, ele está bem consciente de que essas fugazes intervenções fazem toda a diferença.
Nem toda a gente se apercebe disso, mas os grandes músicos, esses, sabem-no bem.
Quando Toscannini dirigiu a orquestra do festival de Bayreuth, interrompeu a dada altura o ensaio para interpelar o percussionista: «Então o timbale? Porque não tocou o timbale?»
«Mas, maestro, segundo a partitura, o timbale não toca aqui!»
Toscannini não quis acreditar. Pediu para ver a partitura do percussionista, mas era verdade: não estava previsto ali nenhum toque de timbale. Todos os outros músicos lhe asseveraram de que estavam fartos de tocar aquela ópera e que, de facto, o timbale nunca entrava naquele momento.
Toscannini foi consultar a edição impressa: não estava lá nada. Foi ver edições antigas: também não. Procurou a primeira edição: nada.
Desesperado, vasculhou o arquivo de Bayreuth em busca do original manuscrito por Wagner e, quando chegou à página pretendida, pôde finalmente sorrir: «Eu sabia! Eu sabia que aqui tinha que entrar o timbale!»
14.11.03
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