1.11.03

Português, demasiado português.

Deito uma olhada à primeira página do Expresso, vejo as notícias sobre o príncipe saudita que alegadamente comprou as dívidas ao fisco (lendo a notícia percebe-se que a afirmação é, em rigor, falsa), a investigação pela Judiciária de um preço de favor a Vieira (o Vieira, não estão a ver?), a viagem de Cinha aos EUA acompanhando Portas (é a isso que se chama escorting?), o aluguer do Panteão que só custou mil euros e outros temas palpitantes, e dou comigo a pensar como é brega a classe dirigente que se revê neste jornal «de referência».

Virando a página, confronto-me mais uma vez com o esplondoroso mau gosto do arranjo gráfico deste periódico, exacerbado pela intromissão, nos espaços mais nobres do jornal, de pequenos anúncios que desarranjam o lay-out e misturam os temas centrais da política nacional com o kitsch quotidiano. Em que outra parte do mundo é possível encontrar-se outra coisa assim? Talvez no Iraque do Saddam houvesse disto, mas agora já devem ter evoluído um bocadito.

Mais adiante, do alto da página cinco, Saraiva, o Sábio, inflinge-nos mais uma vez os seus pensamentos profundos de mestre-escola reformado. O seu assunto preferido é: «Eu bem vos disse!» Prevendo que a política portuguesa vai seguir as suas medíocres opiniões, é claro que ele acerta sempre.

E a coisa continua por ali fora, sempre no mesmo estilo pomposo, maçador e consistentemente destituído de ideias, polvilhado de comentadores institucionais cuja principal mensagem é lembrar-nos que existem.

Um estrangeiro pergunto-me certa vez porque é que os portugueses gostam tanto de sacos de plástico, originalidade que nos aproxima dos russos, esse povo irmão que habita o outro extremo do Continente. Os russos sei eu que criaram esse hábito porque, num país onde havia bichas para comprar quase tudo, levar um saquito de plástico no bolso pode dar muito jeito quando por acaso se encontra uma aberta. Mas, em Portugal, continua a ser para mim um mistério o entusiasmo que toma as multidões quando as caravanas dos partidos destribuem sacos durante as campanhas eleitorais.

Seja como for, resultou daí uma outra originalidade portuguesa, que é esta de um semanário consistir numa colecção de maços independentes de papel atafulhados num saco de plástico que nos desarruma a casa durante todo o fim de semana. Que tal experimentar aquela fórmula estafada, exaustivamente testada em países menos originais, consistente em agrafar os cadernos e inseri-los numa capa?

No ponto a que as coisas chegaram, eu já tenho vergonha de ser visto na rua carregando o Expresso dentro do saquito de plástico. É que é degradante e parece mal. «Ah! Mas então porque o compras tu?» E eu lá respondo, meio acabrinhado, com receio de que pareça estar apenas a inventar uma desculpa, que a coluna de opinião do José Cutileiro vale bem os 2,90 euros.

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