17.2.06

Imperialismo cinematográfico



A quem confessa dificuldade em entender um determinado trecho de música contemporânea, aconteceu-me sugerir-lhe que tente ouvi-la como se fosse a banda sonora de um filme.

Funciona: como os espectadores estão habituados a associar certos sons a certas imagens, aceitam nas salas de cinema aquilo que rejeitam nas salas de concerto.

O cinema de tal modo se tornou na arte dominante do nosso tempo, que as outras são frequentemente interpretadas ou reinterpretadas em função das chaves de descodificação que ele nos propõe.

"Morte em Veneza" fez muito pela voga de Mahler iniciada há quarenta anos. "Amadeus" despoletou a mais recente reabilitação de Mozart. "O pianista" lançou uma nova luz sobre Chopin.

Mas nem só o gosto musical é assim determinado. "Apocalypse Now" atraiu-me ao universo literário de Conrad. O medíocre "Tróia" estimulou-me a reler a Ilíada. "Le Temps Retrouvé", de Raoul Ruiz, fez-me conceber o projecto de pela primeira vez ler de seguida do primeiro ao último os sete volumes de Proust. Imagino que experiências semelhantes poderão ter ocorrido com muitas outras pessoas.

Sem comentários: