14.2.07

História de P

"Achaste bonito?" Esta é a forma errada de discutir a reformulação gráfica do Público. Presumindo que os designers que a conduziram serão minimamente competentes, o natural é que o resultado seja minimamente "bonito".

Para avaliar seriamente este projecto é preciso entender-se as ideias que o enformam e verificar se elas constituem uma resposta adequada às pressões competitivas a que o jornal se encontra sujeito.

No Diário Economico de ontem encontrei a seguinte declaração de um responsável do Público: "Pensámos no novo Público como se não houvesse Público." Que quer isto dizer?. No mesmo artigo, lemos também: "A remodelação é mais uma refundação."

Eis, pois, a ideia orientadora da transformação. Infelizmente, não me parece uma boa ideia.

Muita gente acha que o activo mais precioso que uma marca possui é a sua base de clientes. A Direcção do Público, pelo contrário, acha que os seus leitores são descartáveis e, por conseguinte, prepara-se para os deitar fora. É como se o jornal - que, no fundo, não passa de uma comunidade de leitores - nunca tivesse existido - e tivesse que ser refundado - ou seja, reconstruído sobre novas fundações.

Já escrevi noutra ocasião que este desprezo pelos seus leitores de que o jornal tem dado repetidas provas nos últimos anos me parece uma loucura. O Público existe porque há pessoas - aparentemente cada vez menos - que gostam dele. Mas a Direcção acha que existe porque ela assim o quer. Eis um projecto jornalístico verdadeiramente neocon.

Em Portugal, já se sabe que, quando uma marca não sabe mais que fazer, muda o logotipo. Trata-se, evidentemente. de uma forma de superstição como qualquer outra.

Neste caso, porém, parece-me que, mais do que mudar de logo, o Público muda de nome - para P. É normal: um jornal que teve suplementos chamados Xis, Dia D e Y, e que se prepara para lançar o épsilon, mais cedo ou mais tarde teria mesmo que adoptar o nome de P.

Por conseguinte, o jornal quer alijar os leitores do Público e angariar novos clientes para o P. Quem serão eles? Talvez as promoções lançadas pelo jornal nos ajudem a esclarecer este ponto. Informa-me o Diário Económico de que são elas: a) sampling junto de empresas; b) projecção do logotipo em edifícios e c) ofertas de viagens em balões de ar quente.

Sampling, recorde-se, quer dizer amostragem. É muito recomendada para lançar novos produtos junto de novos clientes. Os gestores ainda não conhecem o Público? Não estão disponíveis para esportularem uns cêntimos em troco da P?

A ideia de projectar o logo parece-me boa: sempre que se tem algo insignificante entre mãos faz sentido ampliá-lo.

Finalmente, a quem interessarão as viagens de balão? Ah, é claro, aos jovens! Mas não nos dizem todos os dias que a população está a envelhecer? Mesmo admitindo que os jovens estarão disponíveis para adquirir hábitos de leitura de jornais diários, serão eles em número suficiente para substituir os velhos leitores que a refundação do jornal decidiu ignorar?

Desisto. Decididamente, não consigo entender a estratégia de marketing do P.

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