A recordação da tortuosa história do combate pela despenalização do aborto de 1984 para cá é suficiente para mergulhar no desespero o mais determinado optimista, entre outras razões porque ela atesta a enorme dificuldade do país em operar a transição para uma sociedade moderna, plural e descomplexada.
Em 1998, a lamentável parelha Guterres-Marcello presenteou o país com esta desnecessária trapalhada de um referendo que nos consome as energias sem qualquer sentido útil.
Oito anos volvidos, a situação é a seguinte. Temos simultaneamente a favor da despenalização um governo legítimo, a maioria dos deputados eleitos, a maioria da opinião publicada, e, a crer nas sondagens conhecidas, a maioria dos eleitores. Acresce que os próprios adeptos do Não têm vindo a render-se, lenta mas seguramente, aos argumentos a favor da despenalização.
O Não é hoje, a bem dizer ,uma causa que os seus apoiantes se envergonham de assumir sem subterfúgios. Tudo leva a crer que, mais do que ser derrotada, a penalização cairá de podre.
Apetece então perguntar como foi possível deixar arrastar por tanto tempo esta situação retrógrada, bárbara e socialmente injusta.
Mas não é exactamente isso que diariamente constatamos na sociedade portuguesa, ou seja, uma colossal dificuldade de mudar qualquer coisa, por muito óbvia que se afigure a tarefa e urgente a sua implementação?
Repito: a persistência do aborto clandestino e a incapacidade de encará-lo de frente valem também como uma metáfora do desesperante imobilismo a que o país claramente se aferrou na última década.
Por esse motivo, o Sim pode também ser um passo no sentido de começarmos a desbloquear estes impasses do nosso viver colectivo. Todavia, dizer isto implica também aceitarmos que a eventual derrota do Sim confirmaria a nossa incapacidade para, evoluindo, irmos resolvendo um a um os muitos problemas que nos afligem.
Não podemos admitir que uma tal coisa possa suceder. Afinal, o resultado só depende de nós. Se, repetindo o desastre de há oito anos, nos voltar a pesar o rabo no domingo, depois escusamos de culpar os partidos e os políticos.
9.2.07
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