1. Só uma grande dose de wishful thinking poderia levar alguém a crer que a decisão de Jorge Sampaio pudesse ser diferente daquela que tomou. Vicente Jorge Silva (no Diário Económico) e Vasco Pulido Valente (no DN), porque o conhecem bem, anteciparam com total rigor o que se passava na sua cabeça.
2. Não sobram dúvidas de que Sampaio deu a Barroso garantias de nomeação de um novo governo da coligação logo na primeira reunião entre ambos. Como sempre suspeitei, Barroso falou verdade. Foi apenas a pública desfaçatez com que Santana começou a formar imediatamente governo que provocou os brios de Sampaio e acabou por retardar o processo.
3. Sampaio não demorou duas semanas a tomar uma decisão, porque ela estava tomada desde o primeiro momento. Demorou quinze dias a preparar uma justificação que, perante si mesmo, lhe permitisse desfazer a trapalhada que ele próprio criara.
4. O discurso de hoje de Sampaio foi um chorrilho de tolices que culminou na promessa de vigilância em relação à continuidade das políticas que o país inteiro já rejeitou. Se Sampaio ainda acredita seriamente que dispõe de algum poder depois do que hoje fez, o seu caso ainda é mais grave do que parece.
5. Quando teve o poder nas mãos, não o usou. Agora que o perdeu definitivamente, ameaça usá-lo.
6. Sampaio é, a partir de hoje, um homem que o PSD e o PP desprezam, porque fizeram dele gato sapato, e que a oposição detesta, porque a traiu. É um homem isolado, que praticamente não pode sair do Palácio de Belém sem correr o risco de ser hostilizado. O que lhe resta é transformar as presidências abertas em presidências fechadas e limitar-se a convidar alguns líderes empresariais para tomar chá - se, é claro, eles acharem que ainda vale a pena ir a Belém perder tempo com ele.
7. Está aberta uma gravíssima crise política na sociedade portuguesa, de consequências imprevisíveis. A conflitualidade vai agravar-se, e o radicalismo infrene tenderá a ocupar o centro da cena política. A confiança nas instituições políticas atingiu o ponto mais baixo de sempre. De nada vale votar nas eleições europeias, de nada vale votar nas eleições presidenciais, e não nos deixam votar para o parlamento quando manifestamente uma esmagadora maioria quer fazê-lo.
8. Não sei o que será da 2ª República, mas sei que, na actual forma, não poderá sobreviver.
9. Tem razão Ana Gomes quando diz que, finalmente, a coligação atingiu o objectivo que prosseguia sem êxito há mais de vinte anos: uma maioria, um governo, um presidente.
10. Vamos ter um governo de gajos e fadistas.
11. Não podemos confiar nos candidatos a PR que o PS nos propõe. Esta conclusão incontornável condiciona tudo o que vai passar-se em 2005. Em particular, abre de par em par as portas a um candidato da direita.
12. Ao demitir-se, Ferro confirmou que é um homem de bem. Mas essa decisão é politicamente errada e vem complicar ainda mais as coisas no campo da oposição. Não se deve responder a duas demissões - a de Barroso e a de Sampaio - com uma terceira.
13. Nanni Moretti tinha toda a razão quando dizia que «a Itália é um país de merda».
10.7.04
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