Diz-se que as pessoas não se interessam por política. Mas as pessoas também não gostam de futebol e, apesar disso, vêem futebol e discutem futebol.
Que quero eu dizer com isto? Cá para mim, os portugueses não gostam de futebol, gostam da conflitualidade associada ao futebol.
Quando a tv transmite um jogo, o realizador está muito mais interessado em repetir as imagens das entradas a matar, das cabeçadas nos adversários ou das agressões dos adeptos nas bancadas do que as jogadas mais bonitas do desafio. É claro que também repetem os golos, mas repetem-nos muito mais se forem marcados em fora de jogo ou se resultarem de um penalty mal assinalado.
Depois, durante a semana, começa-se por discutir as cuspidelas e as arbitragens da última jornada, para depois se mudar para as cuspidelas e as arbitragens da próxima. Os jogadores têm muito pouca importância no meio disto, e mesmo os dirigentes desempenham um papel manifestamente secundário. Por isso, os debates estão usualmente entregues a políticos do PSD como Santana Lopes, Fernando Seara ou Pôncio Monteiro.
Os jornais desportivos seguem o mesmo figurino. Os jornalistas desportivos são unânimes em considerar que o futebol está de rastos e que a última jornada foi a pior de sempre. Segundo eles, os jogos são um longo bocejo que deve acabar o mais rapidamente possível para poder começar a algazarra que verdadeiramente entusiasma o público.
É claro que eles nunca diriam isso se o público gostasse mesmo de futebol. Mas não há azar, porque o público gosta é de odiar o futebol e os seus intervenientes; e embora odeie acima de tudo os adversários, também não deixa de odiar em certa medida o seu próprio clube.
O que é indiscutível, porém, é que a indústria do futebol é um sucesso, dá dinheiro a ganhar a muita gente e traz todo o país satisfeito.
Se a política imitasse a estratégia e a táctica do futebol, também ela poderia transformar-se num negócio competitivo. A primeira coisa a fazer é entender que a sua missão não é resolver os problemas do país ou promover reformas, balelas em que de facto ninguém acredita, mas promover o ódio.
Os nossos políticos democráticos acomodaram-se muito nos últimos 30 anos. Tornaram-se cordatos e educados, senhor doutor para aqui, senhor doutor para ali, uma conversa demasiado sofisticada que o povo não entende. O que faz falta é mais vida, mais animação, mais animosidade, mais arreganho, mais insultos, mais destempero. Às tantas, talvez nem fosse má ideia uns murros na mesa e uns empurrões, enquanto se prepara o terreno para as cotoveladas e as cuspidelas.
Os entrevistadores, em vez de moderarem o debate, deveriam antes acirrá-lo, contabilizar os golpes assestados, valorizar especialmente os baixos e organizar votações por SMS para saber quem tinha arrasado quem.
Além disso, é um erro pôr os políticos a discutirem política. Os políticos, já se viu, são mais eficazes a discutir futebol, razão pela qual a política deveria ser discutida pelos futebolistas, gente com um linguagem mais próxima da do povo.
Eu poderia (e deveria) continuar; mas, por agora, talvez baste. A minha intenção era apenas demonstrar que não temos de resignar-nos perante o desinteresse dos portugueses pela política. Há muito trabalho a fazer e eu limitei-me a deixar aqui a minha modesta proposta.
14.1.04
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