30.1.04

O fantasma camarada



Em 1998 Marx deslocou-se a Lisboa para visitar a Expo. Nessa ocasião, um conhecido semanário entrevistou-o; mas o seu director achou que as declarações do pai do socialismo científico «não tinham actualidade» e decidiu não as publicar.

Tendo chegado aos ouvidos de um destacado militante do PCP que, na dita entrevista, Marx desfiava teses ultra-revisionistas susceptíveis, se dadas a público, de liquidar o resto de fé que ainda animava os mais persistentes militantes do partido, decidiu entrar em contacto com o jornalista que a efectuara e comprar o texto original por bom preço. Fechado o negócio, o documento foi fechado a sete chaves nos arquivos do partido.

Melhor fora que o queimassem, porque acabou por ser roubado por um agente do SIS infiltrado no Comité Central. O que leu pareceu-lhe, no entanto, um chorrilho de tolices sem sentido. O seu chefe concordou que não se podia fazer nada com aquilo, de modo que o homem levou os papéis para casa. De vez em quando lia umas passagens aos amigos enquanto emborcavam uns copos, e riam-se todos muito. Ora um desses amigos era primo da minha mulher a dias, a qual, sabendo que eu me interesso por estes assuntos, falou-me um dia do caso. Para abreviar, direi apenas que, após algumas diligências, conseguiu arranjar-me uma cópia.

Desde então conservei-a em meu poder como um tesouro precioso do meu gabinete privado de curiosidades, sem nunca me passar pela cabeça publicá-la. Acontece, porém, que há três meses a revista britânica Prospect tomou a iniciativa de dar à estampa uma pretensa entrevista com Karl Marx. Estou em condições de declarar que se trata sem margem para dúvidas de um texto apócrifo, de uma rasteira manobra de propaganda tendente a fazer crer que Marx se converteu às teses da Terceira Via de Tony Blair e dos seus amigos, como se ele fosse uma espécie de incipiente precursor de Anthony Giddens.

Ora eu não posso suportar isto em silêncio. Longe de ter abjurado dos seus princípios, Marx está mais comunista do que nunca, como se pode verificar pelo registo da entrevista concedida há cinco anos e que agora, pela primeira vez, vê a luz dos écrãs.

Amanhã será afixada aqui a primeira parte deste notável documento. O espectro do comunismo está de volta.


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