29.5.04

O milagre de Salomé

Mais vale experimentá-lo que julgá-lo - dizia um tipo estranhamente nascido em Portugal. Por isso, vão ver primeiro e julguem depois.

Sobretudo, desconfiem daqueles que apressadamente classificam como "comercial" qualquer filme que denuncie um mínimo de oficina.

Dito isto, confesso que, à saída, dei por mim a pensar que o resultado final poderia ser bem melhor. Quero eu com isto dizer que, em vez de um bom filme poderíamos ter aqui um excelente filme.

Suspeito - suspeito, apenas - que sei o que falhou.

O argumento de "Salomé" (não falo do original de Miguéis que não conheço) é um misto de comédia de costumes, intriga política, sátira religiosa e drama passional, tudo embrulhado de uma forma despretensiosa, o que lhe confere um charme peculiar.

Os cambiantes da intriga recomendariam por isso, ao nível do tratamento cinematográfico, frequentes mudanças de registo, com o que o filme ganharia movimento e interesse.

Em vez disso, o tom é notavelmente homogéneo do princípio ao fim, de modo que o humor de certas situações nunca
é completamente assumido, tal como o não é a tragédia de outras.

Os ambientes são quase sempre fechados e soturnos (excepção: a cena da praia), mesmo quando as situações são festivas. Penso, por exemplo, na festa de apresentação de Salomé à sociedade, em casa do capitalista.

Tendo em conta o discernimento e a competência demonstrados pelo realizador, creio que essas falhas resultam das limitações orçamentais da produção.

A casa do protector novo rico de Salomé é claramente inadequada à história. Assim, o salão onde tem lugar o baile é acanhado e escuro, mal cabem lá uma orquestra minúscula e meia dúzia de dançarinos. Em geral, o palácio, decorado de uma ponta à outra com azulejos pesados e madeiras escuríssimas, não corresponde de forma alguma ao gosto descomplexado manifestado pelo seu proprietário em diversos momentos da história.

Suspeito que o realizador, cujo bom gosto é evidente, não terá podido utilizar o cenário doméstico que mais lhe agradaria.

Fora de portas o problema agrava-se. Os cenários utilizados respeitam muito razoavelmente o enquadramento histórico. Simplesmente, como a verba é escassa, a realização abusa de planos fechados que conferem ao filme um tom algo claustrofóbico.

Paradoxalmente, este interesantíssimo primeiro filme de um fotógrafo de cinema falha essencialmente pela luz.

28.5.04

Pélé

Em 1958 a gente ouvia falar do Pélé, mas não o via de facto jogar, excepto numas sequências não muito felizes das Actualidades que passavam nos cinemas.

No Mundial do México de 1962 já foi diferente, porque a televisão transmitia jogos inteiros, creio que em diferido.

Num deles, o guarda-redes adversário repôs a bola em jogo com um pontapé forte que a fez chegar ao círculo central. O Pélé apercebeu-se de que a bola vinha na sua direcção, correu para ela e, sem a deixar cair no chão devolveu-a com um remate em arco que passou por cima do estupefacto guarda-redes e foi cair sobre a malha superior da baliza.

Não foi golo, mas percebemos todos finalmente quem era o Pélé.

Memória

Em 1958, o Brasil foi Campeão do Mundo.

Lembro-me de ler a notícia no Diário de Lisboa, sentado no banco traseiro do Carocha do meu pai, e de pensar: "Tenho de começar a lembrar-me destas coisas".

Resolvi nesse momento memorizar a linha avançada do Brasil: Didi, Vavá, Pélé, Garrincha e Nilton Santos.

Está certo?

Louvor do futebol

O que mais me alegra na vitória do Porto é a alegria daqueles que muito poucas vezes têm razões para se alegrarem.

Se não fosse por mais nada, o futebol já seria, só por isso, uma coisa digna de todos os louvores.


Kandinsky: Montanha azul.

Não-reprodutor pagador

A sociedade tem um problema gravíssimo que pode resumir-se assim: excesso de velhos, carência de jovens.

Este problema, que só tende a agravar-se, levará à ruptura a Segurança Social, porque, ao que se diz, falta dinheiro para pagar as pensões de reforma.

A culpa, porém, não é dos velhos. É dos filhos dos velhos que não se reproduzem.

Dentro do princípio de justiça que consiste em penalizar os comportamentos anti-sociais, deveríamos então instituir o princípio do não-reprodutor pagador, mediante o qual os indivíduos que não tivessem filhos pagariam ao Estado uma verba equivalente ao custo de manutenção de uma criança.

Esse dinheiro serviria para assegurar pensões condignas a pagar aos velhotes traídos pela incompetência ou falta de patriotismo das novas gerações.

À superior consideração do senhor ministro Bagão Félix.

O congresso

Queixam-se os comentadores, sem razão, de que o Congresso do PSD foi uma maçada.

No futebol, a melhor táctica pode ser resumida assim: quando tens a bola, conserva a bola; quando não tens a bola, recupera a bola.

A atitude do PSD em relação ao poder é semelhante. Neste momento tem a bola, de modo que o essencial é guardar a bola, e o resto que se lixe. Esta futebol pode não ser bonito, mas ganha campeonatos. Quem quiser arte que vá à Gulbenkian.

Com o poder no bolso, o Congresso teria por força que se assemelhar a uma caturreira de velhotes à volta da lareira, de copo de brandy na mão, depois de uma refeição bem servida.

Não é que a alguns não lhes apetecesse esgadanharem-se, mas ninguém tinha nem disposição nem energia para isso.

Chegada a hora do telejornal, porém, alguém tinha que fazer o esforço de erguer-se para dizer qualquer coisa.

Mas dizer o quê? "Eh pá, e se fizesses um brinde à selecção nacional?"

O bravo soldadinho Santana

No passado sábado, ao ligar a televisão, deparei com o Santana Lopes logo no momento em que dizia: "Não gostamos de vaidades, nem do poder pelo poder."

Desliguei o som e fiquei a ouvir o discurso sem som. Tal como os jogos de futebol, fica muito melhor assim - este é um daqueles casos limite em que, como diria o outro, a massagem é de facto a mensagem.

No dia seguinte, porém, li nos jornais que o presidente da Câmara se comparara nesse discurso a um humilde soldado que marcha obedientemente para o terreno de batalha que o estado-maior do partido lhe atribui. Como ele é, ao mesmo tempo, o autoritário estado-maior e o esforçado soldadinho, não deve ser especialmente difícil.

No fim do discurso, rezam as crónicas, Santana não se esqueceu de brindar ao sucesso da selecção nacional no Euro 2004.

Eu não tenho nada contra o Santana Lopes. Pelo contrário, ouvi-lo tem o condão de me pôr invulgarmente bem disposto, mas a verdade é que uma anedota contada muitas vezes também acaba por cansar.

Desta vez, esteve para ali a discursar, ainda segundo os jornais, durante quase 45 minutos. A preços de tabela, esse tempo de antena vale, em prime-time, qualquer coisa como 180 mil contos. Foi, indiscutivelmente, o programa humorístico mais caro da nossa tv.

Tem razão Durão Barroso quando nos incita a uma atitude mais optimista. A irreversível decadência política de Santana Lopes é a prova provada de que o país tem futuro.

Pior, é difícil

Acabo de ver um cartaz do PS para as europeias que diz qualquer coisa do género: "Queremos um Portugal melhor".

Parece especialmente concebido para deixar os cidadãos indiferentes.

Mas a mim fez-me pensar, ao ver os quatro candidatos retratados no cartaz, que o PS teve artes de remeter para um exílio dourado a melhor candidata de que dispunha à presidência da Câmara do Porto (Elisa Ferreira) e o membro melhor preparado da actual direcção (António Costa) que, à falta de melhor préstimo, também poderia ao menos servir para retirar a Santana Lopes a presidência de Lisboa.



Ben Nicholson, 1924.

27.5.04

E esta, hã?

"When the story ultimately comes out we'll see that Iran has run one of the most masterful intelligence operations in history. They persuaded the US and Britain to dispose of its greatest enemy." -- Former State Department counter-terrorism official Larry Johnson, quoted in The Guardian. According to the article: "Some intelligence officials now believe that Iran used the hawks in the Pentagon and the White House to get rid of a hostile neighbour, and pave the way for a Shia-ruled Iraq."

Mais dificil ainda!

Além do mais, é muito mais difícil a Liga dos Campeões ser ganha por uma equipa com equipamento azul do que com equipamento vermelho.

Duvidam?

Comparem a breve lista dos primeiros (Porto, Inter, Olympique de Marselha) com o extenso rol dos segundos (Benfica, Milan, Manchester, Ajax, Feyenoord, Bayern, Liverpool, Nottingham Forest, Aston Villa, Estrela Vermelha, Estrela de Bucareste, PSV Eindhoven).

(Deixo de fora o Barcelona por razões óbvias.)

Quem explica mais este insondável mistério do universo?

21.5.04



Sonia Delaunay: Ritmos, 1938.

Deprimidos e contentinhos

O meu sobrinho, recém-chegado de Londres, ao ver na televisão um menino copo de leite a falar em nome do movimento "Portugal Positivo", perguntou-me: "Ó tio, isto é coisa do Governo, não é?"

Esta nova seita propõe-se nada mais nada menos do que elevar a auto-estima dos portugueses que, segundo a sua psicologia de pacotilha, anda muito por baixo.

Atitude positiva, costas direitas e muito optimismo -- eis tudo o que é preciso para levantar, hoje de novo, o esplendor de Portugal.

Na minha maneira de ver, estes bruxos modernos munidos de MBAs tirados em boas universidades propoem-se fazer o mesmo que o Professor Karamba anuncia nas páginas do 24 Horas -- mas levam incomparavelmente mais caro.

Ora este movimento (patrocinado pela Galp?) teve a triste ideia de convidar para a sua primeira sessão pública o Vasco Pulido Valente.

Segundo o Público, os fiéis ficaram de boca aberta ao ouvirem o Vasco dizer coisas destas:

"Os portugueses têm auto-estima a mais. Isto porque, apesar de se verem como atrasados, embora andem a tentar imitar outros países europeus, nunca se consideraram culpados do atraso português. Começou por ser dos jesuítas, passou para os absolutistas, chegou aos comunistas, sobrou para os fascistas e acabou nos políticos".

Vasco no seu melhor, como se vê.

Mas eu diria mais. Todos os testemunhos de quem no passado nos visitava revelam sem margem para dúvidas a secular arrogância dos portugueses no trato com os estrangeiros.

A mania da superioridade e a ausência de genuina curiosidade pelas coisas estrangeiras sempre foram -- e temo que continuem a ser -- um traço distintivo da nossa cultura de campónios invejosos e ressabiados.

Essas atitudes continuam, de resto, a manifestar-se hoje na falta de sentido das proporções com que falamos da história dos nossos descobrimentos, no exagerado papel que a nós próprios nos atribuimos, no modo como exaltamos, sem nenhuma noção real das coisas, o nosso futebol, a nossa literatura ou os nossos vinhos.

Este povo ensimesmado, absurdamente virado sobre si mesmo, a pontos de os seus noticiários televisivos não terem qualquer semelhança com os dos países que nos rodeiam, persiste hoje em auto-elogiar o seu pretenso "génio universalista".

Decididamente, o ridículo não mata.

Guerra e democracia

Durante muitos anos, uma das leis mais firmes da política internacional afirmava que nunca tinha havido uma guerra entre dois países onde a McDonald's estivesse presente.

Essa hipótese foi popperianamente falseada no dia em que os EUA bombardearam a Sérvia.

Agora, alguns idealistas agarram-se desesperadamente à utopia segundo a qual o impulso pacifista não proviria da carne picada, mas da democracia.

E, de facto, é uma verdade insofismável que, até hoje, nunca houve uma guerra entre dois países democráticos. Percebe-se porquê: quando há guerra, são os eleitores que lá vão bater com os costados, e isso não lhes agrada.

Porque a guerra, como lapidarmente definiu o Godard, "é um pedaço de ferro a perfurar um pedaço de carne". Da nossa, entenda-se.

À direita desagrada-lhe esta natural propensão pacifista das massas, e por isso é a favor de substituir esses mariolas por soldados profissionais.

Os seus últimos escritos sugerem que o Pacheco Pereira anda irritado com o incurável instinto pacifista das sociedades democráticas. Estaremos atentos aos próximos episódios.

Relativismo moral

O Público de hoje dedica ao "esquecimento fiscal" de Manuela Ferreira Leite uma curta notícia de 30 linhas ao fundo da página 11.

Se fosse alguma coisa com "o cunhado de Guterres", certamente teria honras de primeira página.

O Público errou

Ontem, na entrevista ao Rui Vieira Nery, o jornalista do Público escreveu a dada altura: "isso tem haver".

Hoje, outro jornalista menciona, a propósito da conferência de Paul Krugman, "um desempenho económico desapontante".

Eles andem aí!

Aos sportinguistas

Ao que tudo indica, o Sporting prepara-se para despedir o seu treinador, cedendo assim à pressão da troika João Pinto - Pedro Barbosa - Rui Jorge, que há meses lhe faz a vida negra, a ele e àqueles que, como o Liedson, ameaçam ofuscar os seus mesquinhos talentos.

Se o fizer, premiará os prevaricadores, responsáveis pela inqualificável ponta final do clube no campeonato, e penalizará o treinador que recuperou a equipa do estado catatónico em que Boloni há um ano a deixou.

Os que lá ficarem interiorizarão a lição de que no Sporting vale a pena formar grupinhos de pressão para defender os interesses próprios em detrimento dos do clube.

O que o Sporting deveria fazer era isto:

1. Devolver o João Pinto ao Boavista, por ter passado o prazo de validade e só criar conflitos em todos os clubes por onde passa.

2. Devolver o Pedro Barbosa ao Guimarães, porque, embora seja o nosso maior artista da bola, não tem fibra de campeão.

3. Vigiar a medicação do Rui Jorge.

4. Criar condições para que jogadores de qualidade como o Rochemback ou o Liedson possam dar expressão à sua capacidade.

5. Dar todo o apoio ao treinador Fernando Santos, cujo único defeito é ser um tipo decente.

Em vez disso, porém, o natural é que vão buscar o Carlos Queiroz, um homem que, no futebol sénior, se tem distinguido principalmente pelo cuidado que põe na escolha do guarda-roupa.

Depois, não se esqueçam, queixem-se do sistema!

O sistema Rui Jorge

O Rui Jorge foi apanhado no controlo anti-doping.

O Departamento Clínico do Sporting explicou que o jogador andava a tomar um medicamento para combater uma renite alérgica que recentemente entrou para a lista das substâncias proibidas.

O Departamento Clínico explicou que a culpa era sua, por não ter avisado o atleta a tempo. Acrescentou que assumia a total responsabilidade do sucedido.

Acredito perfeitamente que isto seja verdade.

Mas o problema não é esse. O regulamento foi infringido, e não há nenhuma maneira de se verificar se as alegações do Departamento Clínico são verdadeiras ou falsas -- admitindo que isso tenha alguma relevância para o veredicto final.

A Liga decidiu não castigar o Rui Jorge invocando o facto de o Departamento Clínico do clube veio a público assumir a responsabilidade.

O que é que isso quer dizer? O Director do Deparmento Clínico do Sporting demitiu-se na sequência dessa falha gravíssima? Foi de alguma forma punido ou multado?

Não.

Ora, assim, também eu estou disponível para assumir essa responsabilidade, ou qualquer outra que a Liga me peça.

Para falar verdade, o que pesou especialmente neste caso foi o facto de toda a gente querer o Rui Jorge disponível para jogar na selecção. O nosso sentido de justiça desportiva é bem diferente da dos ingleses, que não hesitaram em pôr fora da sua selecção o Sylvester.

Que se lixe, pois, o controlo anti-doping.

Se o Rui Jorge fosse antes jogador do Benfica ou do Porto, possivelmente ser-lhe-ia aplicado o mesmo princípio desculpabilizador.

Mas se fosse, por exemplo, do Marítimo, a história já seria outra. Lembram-se do Kenedy?

Objectivamente, as regras foram torcidas para se adaptarem a um caso particular, perante o silêncio cúmplice de toda a imprensa. É o sistema Rui Jorge em todo o seu esplendor.

Prémio Camões

A Agustina escreve frases, não escreve livros.

20.5.04



Kandinsky: Composição VII, 1913.

Música, maestro

Nas sociedades primitivas não se concebia o trabalho sem a música que o acompanhava.

Até chegarmos às sociedade industriais foi sempre assim, altura em que a música foi substituida pelo ritmo cadenciado da maquinaria fabril.

Mais tarde, nos nossos escritórios, a música só estava onde não devia estar -- nos elevadores e, às vezes, nas casas de banho -- e da pior forma possível.

Com o aperfeiçoamento dos sistemas audio dos computadores, a música voltou milagrosamente ao trabalho após séculos de ausência.

Curiosamente, porém, ninguém compõe hoje música de trabalho.

Ou será que sou eu que não a conheço? Por favor, informem-me.

Do que o Porto precisa

No meio do debate parlamentar de ontem, o Ministro da Economia tirou a dado momento da cartola a transferência do IAPMEI para o Porto.

O IAPMEI praticamente só serve para distribuir subsídios da União Europeia, por isso será provavelmente extinto quando, dentro de poucos anos, acabar o actual quadro comunitário de apoio.

Apesar disso, os parolos do costume -- e habituais serventuários locais do governo central -- apressaram-se a aplaudir a medida, sem dúvida concebida para tentar caçar votos nos próximos actos eleitorais.

O Porto não precisa de receber a título de esmola organismos do estado como o IAPMEI ou o Instituto do Investimento Estrangeiro, cuja deslocação para fora da capital é um completo absurdo.

Do que o Porto necessita é de dispor dos meios necessários para governar adequadamente a sua área metropolitana.

Do que o Porto necessita é que um processo de regionalização democraticamente controlado seja posto em marcha.

Já agora, do que o país em geral precisa também é disso.

Juro que é verdade

No sábado, sonhei que, depois de concluir com sucesso o primeiro ensaio nuclear, Alberto João Jardim anunciava ao mundo que a Madeira já possuía a bomba atómica.

Esperei seis dias antes de dar a notícia para evitar alarmes desnecessários.


Antoni Tapiès: Signos, 1968.

19.5.04

O mistério Champalimaud

Diz-se que a pobreza é envergonhada, mas em Portugal são os ricos que -- vá-se lá saber porquê -- vivem meios escondidos.

Pouco se sabe, de facto, sobre os Mello ou os Espírito Santo, mas Champallimaud bateu-os a todos em secretismo.

Ele nunca foi conhecido por dar entrevistas, intervir em mesas redondas, chamar os jornalistas para conferências de imprensa ou dirigir proclamações ao país.

Vai daí, ninguém sabe muito bem quem ele era, o que permite que circulem as lendas mais díspares sobre a personagem e a sua vida.

Segundo uns, era um homem irascível (defeito grave nos poderosos), desumano e insensível, o protótipo do capitalista explorador obcecado pela acumulação do capital como valor supremo. Segundo outros, um herói do empreendorismo, independente de espírito, desafiador do poder político antes e depois do advento da democracia, um self-made man que nunca deveu nada a ninguém, criador de postos de trabalho e de riqueza de que todos beneficiámos.

Para complicar tudo, legou uma fortuna à investigação científica, nomeando postumamente para o cargo alguém com quem só uma vez na vida falou -- ao telefone.

É de mistérios cuidadosamente trabalhados como este que se constroem lendas poderosas e duradouras.

Reparem, ele disse "mas"!

Fulano critica o atentado bombista que matou um ministro de Israel, mas, na mesma ocasião, critica também o exército israelita por arrasar as habitações de familiares ou meros vizinhos do tal bombista.

Sicrano horroriza-se com as torturas praticadas por soldados americanos na prisão de Abu Graib, mas, ao fazê-lo, recorda que os EUA são talvez a única nação que sistematicamente tem punido os crimes de guerra praticados pelas suas forças armadas.

De um lado e do outro da barricada escutam-se gritos irados de protesto contra o execrando mas: tentativa de branqueamento! relativismo moral! hipocrisia! etc., etc.

Parece-me claro, meus caros amigos, que está toda a gente a perder rapidamente o juízo. Desde quando é que é proibido, ou sequer desaconselhável, usar a palavra "mas"?

"Sim, mas" é a marca distintiva do debate civilizado. É o modo natural de expressão dos que sabem que, em questões complexas como estas, há sempre várias perspectivas relevantes de análise. Que não estamos perante um conflito simplista entre bons e maus. Que nem tudo é a preto e branco. Que certas condenações exaltadas não passam de demagogia irresponsável. Que a condenação unilateral de uma das partes pode servir para encobrir os crimes da outra.

Enfim, coisas da dialéctica -- um conceito que nem por ter passado de moda deixou de ser relevante.


Anthony Gormley: Learning how to see.

A roda do azar

Todos os bem pensantes concordam que o canal 1 da RTP está muito melhor.

Certamente sou eu que tenho azar, porque cada vez que o sintonizo está a dar um concurso.

Hoje, à hora do almoço, espreitei a 2 e também estava a dar um concurso.

Não é possível: isto deve ser uma alucinação de tipo especial que me tolda o espírito e me impede de beneficiar do serviço público -- excepto, claro está, quando o Porto joga para a Liga dos Campeões.

Bloco central

Petit: "O país vai parar quando o Benfica for campeão".

Todos os bons portugueses têm a obrigação de impedir que isso aconteça, não é verdade?

17.5.04

Um conflito do nosso tempo

Os chamados neo-conservadores não gostam dos conservadores.

Porquê?

Porque, para eles, o conservadorismo é o permanente e manso derrotado na tentativa de conter a expansão do princípio democrático.

Porque, para eles, o conservadorismo é um aliado natural e estratégico do princípio democrático do ponto de vista estratégico, por muito que tacticamente procure opor-se-lhe.

Com o conservadorismo, a direita cede graciosamente, perde lenta e progressivamente o poder, porque não tem nenhum argumento de fundo contra o princípio democrático.

Pior ainda, à medida que a democracia se aprofunda, o argumento conservador -- segundo o qual é melhor não introduzir alterações radicais no sistema para evitar lançá-lo no caos -- começa a jogar a favor da própria democracia, tornando-se imprestável para a direita.

Daí a utilidade para os poderes instituídos da ofensiva neo-conservadora. Para travar o avanço do princípio democrático é preciso opor-lhe uma legitimidade distinta -- uma legitimidade revolucionária, mas de sinal contrário.

Ora o terror e a suposta irracionalidade são, na perspectiva neo-conservadora, argumentos de fundo contra a viabilidade da sociedade democrática.

Cada vez vamos ouvi-los mais nos tempos que se seguem.

15.5.04



Daniel Buren: De la couleur de la matière.

É só um pensamento

Isto de um blogue fingir que não conhece ninguém parece-me, sei lá, má educação...

14.5.04

Borges e Proust

À primeira vista, não há dois escritores mais diferentes entre si do que Borges e Proust.

Porque concebi então eu esta estranha obsessão por ambos?

Tem que haver por força algo de comum entre eles -- e compreender o que poderá ser é fundamental para me entender a mim próprio.

Elaborei esta lista provisória de traços que aproximam o argentino do francês:

1. Tanto um como o outro só numa idade já relativamente avançada conseguiram começar a escrever ficção.

2. Tanto um como o outro, para conseguirem escrever ficção, tiveram que imaginar que eram um personagem que escrevia ensaios.

3. Tanto um como o outros são escritores de ideias -- coisa tabú para os estetas.

4. Ambos viviam obcecados com labirintos.

5. Ambos viviam obcecados com os sonhos.

6. Ambos viviam obcecados pelos espelhos. (Esta é menos óbvia.)

7. Ambos acreditavam que o tempo é a matéria de que somos feitos.

8. Ambos viviam obcecados pela memória. (Lembram-se de Funès, o memorioso?)

9. Ambos tinham em fraca conta a literatura contemporânea.

10. Ambos apreciavam os romances de aventuras.

11. Ambos tinham um cultura filosófica muito superior ao normal entre os escritores.

12. O Alef de Proust foi a madeleine da tia Léonie.

Mais sugestões?

13.5.04

Eles não sabem o que fazem...

A economia não recupera porque, neste ambiente de total incerteza, os portugueses não se atrevem nem a consumir nem a investir. Esta situação, em que o dinheiro fica parado à espera de melhores dias, é aquilo a que Keynes chamou a «armadilha da liquidez».

Quando ninguém sabe o que vai ser o dia de amanhã, o medo toma conta do quotidiano e a sobrevivência passa a ser a única motivação.

As alterações introduzidas pelo ministro Bagão Félix ao subsídio de desemprego, ao provarem mais uma vez aos portugueses que não podem contar com o seu governo para nada porque ele é totalmente insensível às suas dificuldades, acentua o clima recessivo e contribui, portanto, para adiar ainda mais a ansiada retoma.

Para além de uma injustiça, esta iniciativa legislativa é, pois, uma completa tolice.

Bom senso -- ou mero sentido das realidades -- é coisa que não abunda neste governo.

12.5.04



Sean Scully: Muro de luz branca.

Sean Scully é uma descoberta que fiz muito recentemente, com todo o potencial para se tornar numa obsessão devido ao fascínio que sinto pelos artistas que conseguem fazer muito com meios relativamente pobres.

Agora, já sabem, vão ter que gramar isto por uns tempos.

Governo porque sim

Conversando por aí, com este e com aquele, constata-se que já toda a gente entendeu que o país não tem actualmente nenhum governo.

Há apenas um sujeito, vagamente familiar, que regularmente aparece na televisão a anunciar que a retoma está a chegar, esquecendo-se no entanto de nos informar a que horas deveremos ir esperá-la ao aeroporto.

Este é um governo por omissão, à espera como nós, e como nós sem saber o que espera.

Todos os principais indicadores económicos se deterioram, a começar pelo famoso déficite orçamental e pelo endividamento externo em percentagem do PIB, sem esquecer as exportações, o investimento nacional e estrangeiro, a situação do comércio a retalho e o desemprego (aliás perversamente enviezado em desfavor dos mais qualificados).

O problema nem é tanto o «discurso da tanga». É a realidade da tanga, por estes dias bem visível nas comédias em torno das privatizações da Portucel e a Galp, a que o país assiste impotente e atónito.

Temos, então, não só um governo que cai aos bocados, como um aparelho de Estado que se esfarela perante os nossos olhos. A fragilidade das instituições públicas e privadas é flagrante, e esse é talvez o traço mais preocupante da situação actual.

Perante isto, o PS sustenta que é hora de mostrar um cartão amarelo ao governo nas eleições europeias.

Amarelo? Mas porquê amarelo? Em nome da estabilidade governativa? Mas haverá ainda alguma esperança razoável de a actual maioria inverter o curso das coisas e traçar finalmente um rumo?

Não será absolutamente evidente que o poder se encontra nas mãos de uma clique de amadores ignorantes das noções mais elementares da política e da economia, de uma seita de aprendizes de feiticeiros que, à beira do abismo, continuam a repetir uma litania ideológica destituída de sentido? Que o santo e a senha desta coligação são o atrevimento e a ignorância?

Para quê continuar a poupar este governo? Para quê conceder-lhe por mais tempo o benefício da dúvida? Porque sim?

Langue de bois

Produtividade, inovação, investigação científica, competitividade, internacionalização, qualificação, valor acrescentado -- os discursos ministeriais que ouço por estes dias parecem-me permutações razoavelmente aleatórias destas palavras sem nenhum sentido real subjacente.

Dalí

Vi certa vez, creio que em Figueres, uma exposição que apresentava o trabalho de Dalí durante os seus anos de formação, abrangendo a adolescência e o princípio da idade adulta.

Era o retrato fascinante, expresso em centenas de ensaios diversos -- cadernos escolares, apontamentos breves, esboços, caricaturas, trebalhos gráficos, etc. -- de um génio fervilhante em construção.

O resultado final, porém , não me parece brilhante. Eis mais um caso de um tipo que vale muito mais do que a sua obra.

Fora da graça de Deus

O ministro Bagão Félix é, à partida, um personagem simpático, com aquele seu ar de boneco do Contra-Informação, aquele afecto romântico pelo Benfica e aquele traço anormal de ser conhecedor da área que é suposto tutelar.

Depois, o ministro Bagão Félix tem um olho de lince para detectar injustiças gritantes e arrancar daí para justificar leis que as pessoas mais ingénuas tenderiam a classificar como aberrações sociais.

Agora, este nosso governante descobriu que «certas pessoas recebem indemnizações de 100 mil contos e depois vão pedir o subsídio de desemprego!» Uma injustiça, uma pouca vergonha a que há que pôr cobro imediatamente! Não admira que o Estado esteja falido!

Todavia, pensando bem, o Emídio Rangel é a única pessoa de que eu me lembro que terá recebido 100 mil contos para sair da RTP, e não estou certo de que solicitasse o subsídio de desemprego.

O ministro Bagão, sempre com aquele ar muito Félix consigo próprio, pode achar que o seu pequeno truque de retórica de lançar cortinas de fumo para justificar medidas celeradas continua a funcionar.

Mas não se deveria esquecer de que incorre num grave pecado mortal, porque poupar dinheiro à custa dos desempregados, ainda para mais nas actuais circunstâncias, não é nem mais nem menos do que uma infâmia.

11.5.04



Sean Scully: Small Chelsea Wall of Light, 2000.

10.5.04

Bacia hidrográfica



Ao princípio, a coisa afigura-se apenas uma metódica acumulação de fichas sobre pessoas e situações organizada por ordem cronológica.

Depois, a pouco e pouco, os factos pontuais vão-se articulando numa sucessão de eventos significantes. Pequenas nascentes dão origem a modestos cursos de água que vão engrossando com o afluxo de outros riachos até desaguarem em importantes afluentes que, finalmente, se lançam impetuosamente no grande rio.

Ao cabo das primeiras 800 páginas, os acontecimentos precipitam-se, a leitura acelera-se, torna-se imparável, quase febril, à medida que assistimos ao desenrolar do minucioso processo laboratorial que, através da correspondência, dos artigos de ocasião, dos cadernos de rascunho e dos ensaios romanescos mais ou menos falhados, conduz Proust inexoravelmente -- sabemo-lo hoje -- à atribulada redacção final de "Em busca do tempo perdido", numa luta contra-relógio contra a morte e o esquecimento.

Falo das magníficas 1.300 páginas do "Proust" de Jean-Yves Tadié, uma biografia singular para a qual Edmond White me chamou a atenção.

O mistério

O facto de as torturas praticadas por soldados norte-americanos sobre prisioneiros iraquianos terem sido fotografadas indicia uma certa presunção de impunidade -- ou não será assim?

Em geral, estas coisas são muito difíceis de provar, exactamente porque os carrascos têm muito cuidado para não deixarem vestígios. Em Auschwitz, por exemplo, não restaram testemunhos equivalentes a estes.

Ora, neste caso, não só não houve receio, como houve mesmo a preocupação de documentar o que se passou.

Como é que este mistério se explica, senão pelo eventual propósito de mostrar as imagens a outras possíveis vítimas no intuito de intimidá-las?

Esta relação descomplexada dos torcionários com a memória assumida dos seus próprios actos é o mais estranho em tudo isto.

E não pode deixar de levantar suspeitas em relação à cumplicidade dos mais altos níveis da administração militar amricana no Iraque.


Confissão

É muito feio um tipo rir-se do sofrimento dos outros. Mas -- que querem? -- não consegui evitar.


Sean Scully: Wall of Back Light, 1998.

6.5.04



César: Pouce.

Depor Import-Export



Todos os grandes países da Europa Ocidental -- Alemanha, Itália, França e Inglaterra -- foram já campeões do Mundo de futebol. Todos, excepto a Espanha.

O problema fundamental é de matéria-prima.

Nós temos dois jogadores -- Eusébio e Figo -- que cabem sem favor na lista dos melhores de todos os tempos. Os franceses, metem lá pelo menos Kopa, Platini e Zidane. Os ingleses, Stanley Matthews e Bobby Charlton. Os holandeses, Cruyff e van Basten. Os húngaros, Puskas. Até os alemães, que nascem com os pés tortos, contribuem com Beckenbauer. Os italianos, não vale a pena contar. Os brasileiros, esses, fornecem uma camioneta de artistas da bola.

Só os espanhóis não têm ninguém -- absolutamente ninguém -- para apresentar na galeria dos grandes futebolistas mundiais.

Vai daí, tratam de importá-los, a poder de muito dinheiro, e só assim conseguem formar equipas para competir nas provas da UEFA, orientadas por grandes treinadores com nomes exóticos como Cruyff, Cappelli, Robson ou Antic.

O Barcelona, em particular, é uma das maiores anedotas do mundo futebolístico. Todos os anos despende um orçamento superior ao de todas as equipas portuguesas de todos os escalões juntas, mas, apesar disso, o seu palmarés internacional está abaixo do do Benfica e ao nível do do FCPorto.

Quando, em meados dos anos 90, finalmente conseguiu formar uma equipa capaz de ganhar a Liga dos Campeões, tratou de desmontá-la na temporada seguinte para contratar outros jogadores «melhores». É natural que, num clube assim, os grandes jogadores como Figo e Ronaldo não pensem senão em pirarem-se de lá para fora.

O Real Madrid é outra coisa. Apesar disso, também vive da contratação de vedetas que ocultam a falta de jeito dos espanhóis para dar pontapés na bolsa. Com as verbas recebidas da autarquia madrilena resolveram comprar tudo o que luz com o objectivo de serem uma espécie de selecção mundial.

Nos últimos tempos, porém, viraram-se para o mercado das bailarinas, no fito de fazerem receitas com as comissões que recebem sobre os anúncios que o Beckham faz para a Vodafone e para os champôs. Os resultados estão à vista, e não vou agora entrar em detalhes.

Não tendo jeito para jogar, os espanhóis poderiam dedicar-se a assistir com competência. Ao fim e ao cabo, como dizia Borges, tem mais mérito um leitor capaz do que um escritor medíocre.

Mas não. Os ingleses aplaudem as suas equipas, mesmo que percam por cinco a zero, com a única condição de que manifestem espírito desportivo. Os adeptos espanhóis dos clubes ricos, pelo contrário, quando não ganham aos pichotes por cinco za ero, poem-se a abanar os lenços brancos.

Os incompetentes comentários da imprensa desportiva espanhola à eliminação do Depor demonstram que, como se não lhes bastasse não terem nem jogadores, nem treinadores, nem espectadores capazes, os nossos vizinhos também não têm jornalistas.

E não se pode importá-los?


5.5.04

Meditações dum passeante solitário

Passeando ao domingo pela Baixa pombalina, dou comigo a pensar como esta organização estritamente racional do espaço urbano, com as suas ruas rigorosamente perpendiculares e as fachadas tiradas a papel químico (ou copiadas a scanner) é tão alheia ao espírito do país.

Não admira, por isso, que ele reaja com tão estremado nojo a esta violência conceptual. A animosidade da nação contra o Terreiro do Paço assenta, quer-me a mim parecer, numa rejeição de ordem primordialmente estética e metafísica.

Cúmulo da tolerância

Respeitar um tipo que não gosta de futebol.

4.5.04



Sam Francis, 1986.

Uma data

A América deve a Woodrow Wilson o voto feminino, mas também a proibição do álcool.

Quanto à Europa, beneficiou da sua decidida intervenção ao lado das potências aliadas na 1ª Guerra Mundial, mas teve, em contrapartida, que servir de cobaia ao primeiro ensaio americano de nation-building extra-fronteiras.

Um dos aspectos centrais da doutrina Wilson, consagrado no Tratado de Versalhes de 1919, era o direito das nações à auto-determinação, princípio que deveria servir de base ao desmantelamento dos impérios da Europa central e oriental e à criação dos novos estados.

Com a assinatura do tratado, 60 milhões de pessoas ganharam instantaneamente uma pátria, mas 24 milhões passaram não menos rapidamente a serem estrangeiros na terra onde residiam há gerações.

Este triunfo indolor e incondicional do nacionalismo, reforçado pela estranha aliança que estabeleceu com os marxistas de obediência leninista, abriu as portas a décadas de fanatismo e intolerância.

Ainda a tinta do tratado não estava seca e já haviam começado as limpezas étnicas, os internamentos das minorias em campos de concentração e as deportações em massa. Tudo práticas que Hitler mais tarde promoveria a um novo patamar de selvajaria.

Com o alargamento da UE concretizado no passado sábado, a Europa reunida volta num certo sentido à situação anterior a 1914, mas agora sem impérios, com a democracia liberal instalada em quase todo o continente e os velhos de problemas de fronteiras quase resolvidos.

Quase: porque, nos Balcãs, em Chipre e nos confins da Europa do Leste, os demónios do nacionalismo continuam à solta.

Dinamismo empresarial

Alguém tem dúvidas? A indústria de ponta nacional, aquela que faz mexer o país e que efectivamente cria postos de trabalho, é a alteração dos PDMs.

Fervor patriótico

Vou a uma loja encomendar um carimbo para a empresa e dizem-me que terei que esperar uma semana.

Estranho que seja preciso tanto tempo para produzir um simples carimbo, e o empregado brasileiro responde-me: «É que vai a fazer em Barcelona...»

Pois é, andamos nós preocupados com o controlo das nossas companhias de aviação, das nossas produtoras de electricidade e das nossas papeleiras e, afinal, até os carimbos já são feitos em Barcelona!

E agora pergunto eu: se os espanhóis nos invadirem, como é a que a nossa burocracia vai poder continuar a trabalhar?