«Are my methods unsound?», pergunta Kurtz ao capitão Willard que veio pôr termo ao seu comando no filme Apocalipse Now.
«I don’t see any method at all, sir.»
Na parábola sobre o colonialismo que Conrad criou e Coppola adaptou para o cinema, os propósitos são estimáveis, mas, algures pelo caminho, as coisas ficaram descontroladas.
Na Solução Final passou-se precisamente o contrário: os objectivos são criminosos e demenciais, mas os métodos são estritamente racionais.
Não surpreende, pois, que tivéssemos passado a desconfiar da razão.
Durante quase um século e meio, o Ocidente acreditou sem restrições na bondade da sua civilização, baseada no conhecimento científico e na técnica e destinada a espalhar a felicidade e o saber por todo o planeta.
Mas eis que, subitamente, num dos países mais civilizados do mundo, os meios da razão e do progresso foram postos ao serviço da aniquilação de um povo.
O que acima de tudo chocou no Holocausto foi a frieza metódica que presidiu à montagem de um complexo sistema industrial e logístico orientado para a transformação de seres humanos em cinzas, adoptando as mesmas técnicas de gestão que servem para fabricar automóveis ou sabonetes.
As ondas de choque provocadas pela revelação do que se passara em Auschwitz minaram os fundamentos ideológicos da modernidade.
Aprendemos a desconfiar da Razão, do Progresso, da Ciência e da Técnica, ao mesmo tempo que do Povo, da Raça e da Nação. Aprendemos a desconfiar dos grandes ideais. Aprendemos, sobretudo, a desconfiar das maiúsculas, ou seja, das abstracções grandiloquentes.
Mas o essencial é compreender que a racionalidade instrumental, que se alheia da discussão dos propósitos e apenas se interessa pelos meios, é uma forma pervertida de racionalidade. E que a razão deve antes de mais ser aplicada ao escrutínio dos valores que orientam as nossas acções individuais e colectivas.
Mas essa lição não foi aprendida, porque as nossas discussões continuam as mais das vezes a privilegiar os instrumentos em detrimento das metas.
2.2.05
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