15.2.05

O adeus à televisão

João Almeida Santos explicou muito bem no Expresso da Meia-Noite do último sábado como as iniciativas dos partidos são hoje inteiramente programadas e organizadas em função do modo como elas são transmitidas através da televisão.

Há três anos pude verificar como isso é verdade quando, após uma prolongada abstinência, fui espreitar um comício eleitoral.

O lay-out geral do espaço, a sua decoração, o posicionamento das claques partidárias e a própria sequência e teor das intervenções - tudo isso é hoje fundamentalmente pensado em função do desejo de proporcionar alguns bons planos televisivos acompanhados de um ou outro sound-byte mais apelativo para passar à hora do jantar no telejornal.

O melhor a que um comício partidário pode aspirar é, pois, redundar num grande momento de televisão. Não admira que as pessoas vão cada vez menos a comícios quando se apercebem que são apenas figurantes não pagos de uma super-produção concebida para animar o prime-time no intervalo entre dois blocos de publicidade.

Acredito, porém, que este domínio esmagador da comunicação televisiva sobre a acção política é, no essencial, uma coisa do passado.

Qualquer gestor de marketing bem informado sabe que os mass media tendem hoje a perder peso em detrimento de formas de comunicação mais direccionadas para públicos específicos. É porque a tv generalista de sinal aberto está a tornar-se cada vez menos eficiente que encontramos agora publicidade televisiva no Metro, nas Lojas Galp ou nas farmácias.

O mesmo se passa certamente com a política. A pré-campanha deu-nos um vislumbre dessa realidade, mostrando-nos que as mesmas pessoas que não vão aos comícios podem mobilizar-se localmente para discutir política em torno de circunstâncias particulares, mas não necessariamente particularistas.

A realidade contemporânea, pós-moderna ou hiper-moderna, conforme se queira, é a fragmentação da sociedade em grupos de interesses que têm pouco a ver com tradicionais critérios de classificação sócio-demográfica, e muito com as tribos urbanas em que os cidadãos se enquadram.

O grande desafio da política contemporânea consiste principalmente em evitar que a sociedade se esboroe por efeito desse processo de fragmentação. Como preservar o sentimento de cidadania quando os indivíduos resistem a pertencer a grupos sociais estáveis e definitivos?

Os blogues e a web em geral têm muito a ver com isto. Esperemos que consigam contribuir para elevar o nível geral do debate público em Portugal, o que, convenhamos, nem sequer é muito difícil.

O facto de estas formas de intervenção politica envolverem um número relativamente pequeno de pessoas - o conjunto da blogoesfera portuguesa mobiliza apenas o equivalente ao número total de leitores de um jornal como o Público - não é uma limitação crucial.

A dinâmica política democrática sempre foi e sempre será fundamentalmente determinada por algumas dezenas de milhar de pessoas que de algum modo são os verdadeiros líderes de opinião em cuja opinião o resto dos cidadãos mais ou menos confia.

Antigamente, esse papel era desempenhado pelo padre, pelo farmacêutico, pelo dirigente sindical ou pelo comandante dos bombeiros. Hoje em dia, é muito mais difícil saber quem eles são. Mas não tenham dúvidas de que existem e de que têm mais meios de comunicação ao seu dispor do que alguma vez no passado.

É altura de os partidos começarem a pensar nas consequências que estas novas realidades deverão ter sobre o modo de se fazer política.

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