3.2.05

A banalidade do mal

Adam Smith explicou o princípio da divisão do trabalho através do célebre exemplo da fábrica de alfinetes.

Seria igualmente possível ilustrar os ganhos de eficiência da especialização e divisão do trabalho descrevendo o modo como a Solução Final foi organizada.

Uma das inevitáveis consequências da clássica divisão do trabalho é que cada um só tem que cuidar da tarefa que lhe foi cometida. O domínio da responsabilidade do indivíduo restringe-se ao cumprimento dos objectivos específicos que a organização lhe assignou: «A minha política é o trabalho».

Quanto ao resto, ele não sabe nem tem que saber de nada. Limita-se a cumprir ordens, de consciência perfeitamente tranquila, porque um bom cidadão deve limitar-se a fazer o que a pátria lhe manda sem questionar o julgamento dos seus superiores.

No seu relatório sobre o julgamento de Eichmann, Hannah Arendt inventou o conceito de «banalidade do mal» para dar conta do comportamento desses milhares de funcionários que, ao organizarem e executarem o Holocausto, se teriam limitado a «cumprir ordens».

Na minha maneira de ver, porém, a verdadeira inspiração de Arendt veio de Heidegger e não de Eichmann. Concorde-se ou não com ele, Heidegger foi um dos mais destacados filósofos do século XX. Não lhe eram conhecidas fortes convicções políticas até 1934, nem sequer sentimentos anti-semitas.

Mas Heidegger revelou-se um carreirista mesquinho. Logo que Hitler subiu ao poder, ele aliou-se aos nazis para ser nomeado reitor da universidade de Friburgo e procurou tornar-se no filósofo oficial do regime. Para o conseguir deu cobertura às perseguições a estudantes e professores judeus e católicos, incluindo o seu mentor Husserl.

Depois do final da Guerra e até à sua morte, nunca manifestou qualquer sentimento de culpa e escusou-se sempre a condenar sem ambiguidades o nazismo.

Este e milhões de outros casos ilustram na perfeição como se pode fazer o mal por mera omissão ou inércia.

Estas pessoas não foram, em geral, ameaçadas nas suas vidas nem na sua liberdade. Deixaram-se levar pela onda por preguiça, inércia, comodidade, ambição ou cobardia extrema.

Antes e depois dos acontecimentos, arranjaram sempre desculpas convenientes para não verem, não quererem saber, não se envolverem, não tomarem posição.

Morreram quase todas de consciência tranquila.

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