3.2.05

Os meninos da Terra do Nunca

Sabe-se há muito tempo - mas os jornais nunca falam disso - que o Bloco de Esquerda é o segundo partido mais votado na classe média-alta.

Eu não me perturbaria com isso, bem pelo contrário, se o Bloco efectivamente fosse o partido que diz ser, ou seja, um partido da esquerda moderna aberto ao mundo contemporâneo.

Acontece, porém, que não o é. Vejamos porquê.

As duas grandes bandeiras do Bloco são a despenalização do aborto e o casamento dos homossexuais. Mas eis que o seu líder se revelou, há dias, um perfeito homófobo e que, para piorar as coisas, não achou necessário retratar-se publicamente.

Se o Bloco fosse tão exigente consigo mesmo como o é com os outros, Louçã teria sido publicamente desautorizado e, na primeira ocasião, punham-lhe os patins. Mas, é claro, nada disso aconteceu.

Porque o que nele agrada aos seus correliginários é precisamente o moralismo de roupagem moderna, os requebros de seminarista em ruptura com a sua religião, a faceta relapsa do trânsfuga.

As suas catilinárias entusiasmam também porque, mau-grado a falta de seriedade do discurso, há ali uma sugestão de rebeldia bem-comportada que se pode exibir sem riscos nos salões. É o chique radical.

A bem dizer, o que distingue o Bloco dos comunistas é o local de residência e a indumentária, porque, ao contrário da malta dos subúrbios, os bloquistas usam a camisa por fora das calças.

Mas, ao fim e ao cabo, alguém sabe o que verdadeiramente quer o Bloco? Quero eu dizer: o que politicamente quer o Bloco. Por mim, confesso que nunca entendi.

Sinto-me curioso, por exemplo, de saber que espécie de relação mantem ele hoje com as ideologias dos partidos que o fundaram e, designadamente, com Trotsky e Lenine. A sensação com que fico é que eles deixaram de falar de um certo número de temas pura e simplesmente porque acreditam que fazê-lo os prejudicaria eleitoralmente.

Mas há ainda outra hipótese, mais benevolente de um ponto de vista, mas menos de outro. Talvez que, como muitos de nós, eles tenham intimamente reconhecido que o marxismo-leninismo não tem hoje nada para nos oferecer, mas sejam demasiado orgulhosos para reconhecerem que se enganaram.

Continuam, por isso, a exibir sinais exteriores de revolucionarismo no mero intuito de exibir a sua nostalgia dos tempos passados. Da fé só resta hoje a superstição, ou seja, o folclore de gestos e símbolos destituídos de qualquer significado real.

O Bloco seria, portanto, uma espécie de associação de amigos de Alex que encontra a sua base social em cidadãos maduros que hoje integram as classes profissionais bem remuneradas, mas que há trinta anos, na sua juventude, militaram mais ou menos activamente nos movimentos esquerdistas da época com origem nas universidades.

Não lhes recomendo que esqueçam o seu passado, nem sequer que dele se envergonhem, porque verdadeiramente não têm razões para isso. Tampouco lhes peço que não falem dele aos seus filhos, que, imbuídos das fantasias que os pais lhes transmitiram, constituem hoje a parte mais activa do Bloco de Esquerda.

Mas exorto-os decididamente a que cresçam, ou seja, que deixem de encarar a política como o recreio dos Louçãs, dos Fazendas ou das Dragos porque, ao fazê-lo, não estão a assumir uma atitude responsável.

Não imitem os Meninos da Terra do Nunca que, recusando-se a crescer, para sempre ficaram crianças.

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