«D. Duarte [filho do marquês de Marialva] (...) pendurou-se do peitoril da varanda e esteve suspenso alguns instantes (...). Os pobres, que não tinham nada que fazer enquanto não chegava Sua Majestade, pareciam deleitar-se muitíssimo com estes rasgos de agilidade.
«Deram eles logo comigo e, dois alentados matulões, que uma desgraçada combinação de bexigas com escrófulas tinha privado da vista, informados, sem dúvida pelos seus companheiros, de tudo o que se ia passando, começaram um curioso diálogo com vozes mais roucas e ásperas do que as dos sagrados corvos:
«- O céu dê prosperidade a suas nobres excelências, o senhor D. Duarte Manuel e o senhor D. Pedro, e a todos os Marialvas, e que possam os caríssimos meninos sempre gozar dos seus olhos e de todos os seus membros! Aquele que está na sua amável companhia é o caridoso inglês?
«- É, sim - respondeu o outro cego.
«- O quê? - replicou o primeiro. - É aquele generoso devoto do gloriosíssimo senhor Santo António?
«- Sim, é ele.
«- Oh, tivesse eu os meus preciosos olhos para poder contemplar o seu rosto! - exclamaram eles ao mesmo tempo.
«Foi crescendo assim o dueto com o tempo, e coxos, mancos e sarnentos, atando os ensebados barretes no extremo de compridas varas, meteram-nos pelas grades da varanda, clamando em altas vozes: - Esmola por amor do Santo de Lisboa!
«Nunca tive diante de mim a contemplar-me uma tão disforme e medonha colecção de fisionomias!
«Apressei-me a lançar-lhes uma mancheia de moedas de cobre, antes que D. Duarte sacudisse para fora os paus e os barretes - travessura que de forma alguma eu queria provocar, porque deitaria a perder a reputação que tínhamos, de atender pronta e polidamente os pedidos feitos em nome de Santo António.
«No momento em que os oradores estavam recebendo a sua porção de vinténs e de cinco reis, os gritos de - Aí vem a rainha! Aí vem a princesa! - levaram aquela hedionda multidão para outro ponto.»
William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.
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