6.7.05

O botãozinho da algibeira

"Ali estavam bispos, prelados das ordens religiosas, secretários de Estado, generais, gentis-homens da câmara e cortesãos de todas as qualidades, tão elegantes e vistosos quanto os podiam fazer os uniformes bordados, as comendas, as cruzes e as chaves de ouro.

(...)

"Metade dos circunstantes dobravam o joelho, uns com petições, outros com memoriais, aqueles pedindo lugares e promoções, estes bençãos, de que o meu reverendo condutor [o grande inquisidor] não era decerto pródigo. Ele parecia tratar todas estas vivas demonstrações de adulador servilismo com o modo mais desdenhoso, e, cortando pela multidão, que se afastava respeitosamente para nos dar passagem, chamou por acenos o visconde de Ponte de Lima, o marquês de Lavradio, o conde de Óbidos e dois ou três fidalgos mais, que estavam de serviço, para um quarto pequeno e baixo, que não tinha mais de vinte pés de altura por catorze de largura.

"Depois de muitos cumprimentos adulatórios, no tom mais submisso, da parte dos cortesãos, pelos quais eles não receberam senão repulsas e resmungadelas, o arcebispo chegou a sua cadeira para junto da minha, e disse com voz muito clara e alta:

"«- Meu caro inglês, tudo isto é uma súcia de marotos aduladores: não acredite nem uma palavra do que eles lhe disserem. Apesar de brilharem como ouro, a lama não é mais vil: eu conheço-os bem. Aqui está - continuou ele, pegando-me na aba da casaca - uma prova da prudência inglesa. Este botãozinho para segurar a algibeira é uma invenção preciosa, especialmente na grande sociedade; não o tire, não adopte nenhuma das nossas modas, ou terá de se arrepender.»"

William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.

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