11.7.05

O terrorismo como epidemia

O terrorismo com que hoje nos defrontamos não é causado nem pela miséria, nem pela opressão, nem pela humilhação, nem pelo preconceito cultural, nem sequer pelo fanatismo religioso, embora todos esses factores, e outros ainda, contribuam para lhe dar a feição que conhecemos.

Em última análise, o que se passa é que há uns tipos que têm um parafuso a menos e que por isso, na sua insanidade, julgam que matando gente a torto e a direito conseguirão encostar à parede não se sabe quem, e conseguir não se sabe o quê.

Este problema não tem solução, e, por isso, permanecerá connosco mesmo quando todas as actuais injustiças forem eliminadas e eventualmente substituídas por outras.

Embora eu diga que o problema não tem solução, é possível que os avanços da engenharia genética venham a breve trecho permitir-nos ajustar o tal parafuso que actualmente falta a certas pessoas. Só que essa solução repugna às nossas consciências, até porque, uma vez que se comece a apertar e a desapertar parafusos, ninguém sabe onde iremos parar.

Os fenómenos irracionais como o actual terrorismo associado ao fanatismo islâmico seguem um padrão evolutivo muito semelhante ao das epidemias virais: desencadeiam-se inesperadamente, expandem-se rapidamente, estabilizam e, finalmente, extinguem-se. Depois, sofrem mutações e ressurgem inesperadamente em diferentes lugares e diferenças circunstâncias. Um conhecimento mínimo da história do terrorismo mostra que é assim.

Por isso, sustento que a forma mais sensata e racional de encarar o terrorismo é como uma variedade de catástrofe natural. Isso significa que, embora se possa fazer muita coisa para detectar precocemente a preparação de actos terroristas, prevenir a eclosão das suas manifestações, controlar a sua expansão, minimizar os estragos que causa, e por aí fora, em última análise é impossível evitar que, aqui e ali, provoque alguns estragos que por vezes poderão atingir proporções colossais. Por outro lado, ele acabará mais tarde ou mais cedo por extinguir-se-á por si mesmo. Essa extinção será então festejada como uma grande vitória da guerra contra o terrorismo, mas na verdade terá pouco a ver com qualquer coisa que tenhamos feito.

Num plano estritamente objectivo, o problema do terrorismo tem uma dimensão, enquanto catástrofe humana, incomensuravelmente inferior à da sinistralidade rodoviária, dos tremores de terra e maremotos, da SIDA ou, principalmente, da malária. É portanto irracional mobilizar meios para o combater absolutamente desproporcionados em relação à dimensão real da ameaça.

Há quatro razões principais para a atribuição de uma absoluta prioridade ao combate ao terrorismo em detrimento de outros problemas que afligem a humanidade.

A primeira é o impacto mediático dos ataques, resultante da sua espectacularidade, que não pode deixar de impressionar o público e de pressionar os poderes políticos s tomarem medidas para «resolver» o problema. Os terroristas sabem que operam no negócio dos conteúdos, e não recuam perante nenhum efeito especial, por mais cruel que se afigure.

A segunda resulta de, ao contrário das catástrofes naturais, os actos terroristas decorrerem da acção deliberada de seres humanos, o que faz pensar que talvez eles possam ser dissuadidos, pela persuasão ou pela violência. de levá-los a cabo. Podia-se escrever um tratado sobre isto.

A terceira é a percepção (errada) de que a ameaça terrorista pode ser esconjurada de forma drástica e definitiva, na condição de ser atacada de uma forma persistente e resoluta e de ocorrer uma mobilização total do Estado e da sociedade para o combater. É o mito da «guerra contra o terrorismo», em si mesmo uma nova manifestação da ideologia totalitária contemporânea.

A quarta é o facto de uma exagerada preocupação com o terrorismo ser extremamente conveniente para, por um lado, impor uma agenda política dominada pelo medo e, por outro, persuadir os cidadãos a tolerarem entorses mais ou menos permanente às liberdades e garantias individuais em nome das exigências da segurança colectiva.

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