31.3.05

Problemas de identidade

Há dias. ao conhecer pessoalmente o Pedro Magalhães, apresentei-me como o «Blogo Existo». Estarei bom da cabeça?


Gauguin: O cavalo branco.

25.3.05

Rex

Um imigrante ucraniano residente na Beira Alta foi dar com o seu patrão a agredir violentamente um cão com uma ferramenta de trabalho.

Interpôs-se para tentar proteger o bicho. O patrão empertigou-se, gritou-lhe que não se metesse naquilo. Engalfinharam-se. Na luta corpo a corpo, o emigrante levou a melhor, arrancou a ferramenta das mãos do adversário, bateu-lhe com ela na cabeça uma, duas, três vezes.

Quando finalmente conseguiu deter o braço, o outro estava estendido no chão numa poça de sangue. A vida abandonara-o.

Envolveu o cadáver num cobertor, montou numa bicicleta e lá foi pedalando, tem-te não caias, à procura de um sítio para escondê-lo, seguido de perto pelo cão. Não sei se já disse que se chamava Rex.

Chegado a um poço, atou-o a umas pedras e atirou-o lá para dentro. Dirigiu-se à aldeia, sempre acompanhado pelo cão. Meteu-se numa camioneta de passageiros, levando o bicho com ele.

Depois, creio que em Aveiro, comprou bilhete de comboio para ele e para o Rex e lá foram os dois rumo ao Porto. Do Porto voltaram a viajar de autocarro, agora para a Galiza, em seguida para Leão, errando sem rumo pela Espanha. Como todos os caminhos vão dar a Madrid, foi lá que finalmente concluiram a viagem.

Passados alguns dias foram capturados pela polícia cansados, esfomeados e desorientados. Como é evidente, o facto de o homem viajar sempre acompanhado pelo cão permitiu mais facilmente aos perseguidores seguirem-lhe o rasto.

O ucraniano foi extraditado para Portugal e está agora a ser julgado pelo crime de homicídio.

Leio esta história triste e singular, e estranho que o jornal omita o que sucedeu ao Rex após a prisão do seu dedicado companheiro.

Sim, que é afinal feito do Rex, esse feiticeiro de quatro patas cujo olhar suplicante deu cabo da vida de um homem?

24.3.05

A súbita riqueza dos pobres camponeses da Lusitânia

Um dos mantras mais em voga entre os nossos comentaristas é a condenação moralista dos índices de posse de telemóveis (como quereriam eles que se desmarcasse as reuniões?), de segunda televisão (coisa de pobres, meus caros, coisa de pobres...) e de segunda habitação (mesmo quando ela é uma barraca na Fonte da Telha).

Querem eles dizer na sua que o pessoal queixa-se queixa-se, mas, no fundo, vive mergulhado no luxo.

Fico agora a aguardar ansiosamente os comentários às estatísticas hoje publicadas sobre a incidência da tuberculose em Portugal, que nos colocam no 22º lugar entre os 25 países da União Europeia, um seguro indício de deficientíssimas condições de habitação, de higiene e de alimentação.

Como se vê, não é só na qualificação profissional e na produtividade que estamos pior.

A quadratura do Coelho

Jorge Coelho deu baile na primeira Quadratura do Círculo da era pós-Magalhães.

Sem subestimar a capacidade argumentativa de Jorge Coelho, a causa primeira do embaraço manifesto de Pacheco e Lobo Xavier, duas das pessoas melhor preparadas na banda da Oposição, parece-me ser que ela ainda não entendeu bem que espécie de adversário tem agora pela frente.

A fábula da rã e do boi revisitada

Prometo comentar este post do McGuffin quando o Sporting for campeão europeu.


Gauguin: Paisagem marítima com vaca à borda da falésia, 1888.

Guerra e paz na Bombardier da Amadora

O Governo agitou freneticamente a bandeirinha branca da paz social antes mesmo de os antagonistas terem disparado um único tiro.

Se eu fosse aos sindicatos, considerando esta reacção desproporcionada de pânico, aproveitava para mandar fogachada a sério.

Às vezes, a paz é a mãe da guerra.

A força do preconceito

O pior dos estereotipos, diz um amigo meu, é que normalmente são verdadeiros. Por outras palavras, nós só vemos o que esperávamos ver.

Aos vossos abrigos

A avaliar pelas infelizes declarações públicas hoje produzidas a ritmo acelerado, o dossier Bombardier ameaça tornar-se na primeira grande argolada do governo de José Sócrates.

Logo na primeira semana, é obra.

23.3.05

Equívocos do PEC

A insistência unilateral no problema do déficite do OGE revela agora uma outra consequência negativa, quando se supõe, como se diz aqui, que Portugal beneficiará com o relaxamento dos critérios agora aprovado.

É um engano, porque o verdadeiro problema não é, nem nunca foi, o déficite das contas públicas, mas as suas consequências negativas sobre a balança de pagamentos e o endividamento externo. E essas permanecem, e têm que ser enfrentadas, decida a Comissão Europeia o que decidir.


Gauguin: Cavaleiros na praia, 1902.

Vários pesos, várias medidas

O que se está a passar na Bombardier é uma nacionalização de uma empresa, iniciada pelo governo PSD/PP e continuada pelo actual governo PS.

As justificações adiantadas, sobretudo as relativas às alegadas capacidades tecnológicas da fábrica da Amadora, não são convincentes. E, a falar verdade, a CP, que já gera um prejuízo considerável, não precisa daquilo para nada.

Porque é que não se nacionalizam também as fábricas têxteis do Vale do Ave quando vão à falência? Ah, pois, essas não são em Lisboa...

Tudo tem uma explicação



A única religião verdadeira era professada por uma tribo que habitava uma pequena e distante ilha da Polinésia Oriental.

Infelizmente, a tribo foi extinta há oito séculos atrás por uma epidemia que a dizimou. Com ela morreram os seus deuses e todos os segredos que eles lhes haviam confiado.

É por isso que andamos todos a passar mal.

Listen carefully: I will say this only once



Dave Douglas.

Ainda não estou inteiramente recomposto do concerto de há 11 dias.

22.3.05

Quem é o gajo?

Muitas vezes tenho feito a mim mesmo essa pergunta.

Até já pensei em organizar-lhe uma espera, mas depois desisti.

É que, pensando melhor, não deve ser só um gajo. São de certeza vários, e até ando desconfiado de que será uma família.

Pelo menos, se for só um, já cá anda há muito tempo. Lembram-se do «North by Northwest», por cá alcunhado de «Intriga Internacional»? E isso foi há quanto tempo? Já nem me lembro muito bem. No século passado, para aí...

Logo, há aqui uma escola de pensamento, talvez uma dinastia. Seja como for, uma coisa é certa: os tipos estão bem organizados.

Estarei a imaginar coisas?


Gauguin: Espírito dos mortos vigiando, 1892.

Ora inscrevam lá isso

Quem ignora o problema da «não inscrição», levantado por José Gil no seu tão inesperado quanto improvável best-seller, corre por estes dias um sério risco de fazer figura de ignorante em qualquer roda de amigos.

De maneira que eu folheei rapidamente o pequeno volume e confesso que encontrei lá algumas indiscutíveis verdades, entre elas a certeira caracterização dessa nossa tendência para passarmos colectivamente sobre as coisas com a maior das ligeirezas, sem permitir, portanto, que elas deixem marcas.

Como acredito tão pouco na alma colectiva como na individual, tendo a atribuir esse fenómeno cultural ao persistente nomadismo que até muito recentemente marcou de forma tão acentuada o nosso viver colectivo.

Reconquista, descobrimentos, império, colonização, emigração, foram alguns dos sucessivos nomes que, um após outro, esse nomadismo adoptou.

Há precisamente trinta anos essa história de errância terminou, muito possivelmente de vez. Por isso, conjecturo eu, teremos tanta dificuldade em compatibilizar as actuais formas de vida com as crenças e os mitos constitutivos da nacionalidade.

Formas erradas de estar certo

Um dos princípios da arte de resolver problemas é a delimitação da área de ataque.

Algumas pessoas muito inteligentes têm dificuldade em fazer isso. A sua tendência natural, quase irresistível, é para considerarem outras facetas do problema, enquadrá-lo numa perspectiva mais vasta, considerar progressivamente mais e novos aspectos. Ao fazê-lo, ampliam mais e mais o âmbito de análise. Em vez de concentrarem esforços, dispersam-se e perdem de vista a questão inicial.

O problema acaba por atingir uma tal complexidade que se torna verdadeiramente irresolúvel. Chegado esse momento, ele é abandonado e esquecido. Em resultado, tudo fica como inicialmente se encontrava.

Ouvi uma vez um alemão residente em Portugal afirmar que o nosso defeito é sermos demasiado inteligentes. Sofremos de uma tendência para problematizar em excesso. Buscando a solução ideal e definitiva, acabamos por ficar paralizados sem sequer percebermos o que nos aconteceu.

Está outra vez na moda a afirmação de que os problemas profundos do país têm profundíssimas raízes cultural. É bem possível - mas o que é que se segue daí? A pretensão de transformar o país através de uma reforma de mentalidades é tão antiga como ineficaz. Mas, ao que parece, a sua inexequibilidade só a torna ainda mais atraente para certos espíritos.

Um problema que não tem solução não é um problema. É uma perda de tempo.

Equívoco

Certas pessoas parecem convencidas que o desenvolvimento é o prémio da virtude. Grande engano.

Estado de graça

Enquanto a oposição persistir em se abastecer de munições no arsenal da mesquinhez e do ressentimento, Sócrates bem pode dormir descansado. Cheira-me que essa situação se vai prolongar por muito tempo.

19.3.05

Sartre e Aron

Assustei-me quando li o título da crónica de 6ª feira do Pulido Valente: «Ter razão», e verifiquei que o tema era o confronto entre os percursos intelectuais de Sartre e Aron. Querem ver que, desta vez, o homem escreveu alguma coisa sensata? Falso alarme!

Basta ler a frasezinha sobre aquilo a que ele chama «a obra» de Sartre para ficarmos absolutamente certos de que Vasco nunca leu nada que esse autor tivesse escrito. Nesse aspecto estamos na mesma, embora eu leve vantagem por me ter dado ao trabalho de consultar a entrada sobre o lingrinhas pensador no Oxford Companion to Philosophy.

Felizmente, nem tudo é ignorância e desfaçatez na nossa imprensa. Para comprová-lo leiam estas breves linhas do Pedro Mexia no DN online.

Persona

Aqui há coisa de seis meses, a prestimosa corporação dos comentadores demonstrava, com toneladas de argumentos, que Sócrates não passava de uma versão revista e aumentada de Santana.

Afirma agora, com igual convicção, tratar-se antes de uma espécie de Cavaco em segunda edição.

Oh, porque não tenho eu a perspicácia destas sublimes criaturas!

Agora a sério. A mente humana parece que se sente mais tranquila quando consegue reconduzir algo desconhecido a algo familiar. Uma coisa ou alguém só pode ser entendida «como» outra coisa ou outrem.

Acontece, porém, que a identidade só se afirma pelas diferenças, não pelas semelhanças. Assim, para Sócrates, é muito mais importante ser visto como o contrário de Guterres do que como o símile de Cavaco.

Guterrismo de face cavaquista - mas que genial invenção!

Palro, logo existo

Ontem, no Expresso da Meia-Noite, seis jornalistas faziam «o balanço da primeira semana do novo governo».

Esta gente estará boa da cabeça?

Decididamente, quando não há governo, não há nada para discutir. Tirando o futebol, claro...

18.3.05

Outra vez o utilizador-pagador

Cobrar portagens nas auto-estradas não é uma maneira de obrigar o utilizador a pagar o serviço de que beneficia. É uma maneira de obrigá-lo a pagar duas vezes pelo mesmo serviço.

Na verdade, os automobilistas já pagam as infra-estruturas rodoviárias através do Imposto Automóvel e dos Imposto sobre os Combustíveis. O primeiro discrimina os automobilistas em função do preço do carro que compram e da sua cilindrada; o segundo, em função dos quilómetros percorridos.

Acresce que temos em Portugal o segundo mais elevado Imposto Automóvel e o terceiro mais elevado Imposto sobre os Combustíveis da União Europeia.

Por conseguinte, a questão que verdadeiramente interessaria apurar seria esta: por que é que, apesar dos elevadíssimos impostos cobrados, as auto-estradas só puderam ser construídas mercê da generosidade dos contribuintes europeus e por que é que a rede nacional de estradas continua a desgraça que todos conhecemos.

Leio e ouço que a aplicação do princípio do utilizador-pagador às auto-estradas é aquilo que a teoria económica recomenda por razões tanto de justiça como de eficiência económica. Isto é grave vindo da boca de professores de economia, visto que, pura e simplesmente, não é verdade.

Quando uma estrada não se encontra congestionada, cobrar portagem exclui do acesso a um bem público alguns utilizadores potenciais, sem que daí resulte qualquer ganho para os restantes. Como não existe rivalidade entre utentes numa estrada não-congestionada, a introdução de um preço tem como efeito a redução do bem-estar colectivo.

Sendo o custo adicional resultante da circulação de mais um automóvel igual a zero numa estrada não congestionada, o que a teoria económica recomenda é que o preço também deverá ser zero. A introdução de portagem implica além disso custos adicionais, tanto fixos como variáveis, o que torna o sistema ainda mais ineficiente.

Se a introdução do preço restringir significativamente a procura, é mesmo possível que o custo de cobrar portagem seja superior à receita gerada pela portagem.

Em matéria de eficiência estamos, pois, conversados.

E quanto à justiça? A construção das SCUTs no interior do país teve como principal motivação criar infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento económico, algo facilmente compreensível para quem quer que tenha que se embrenhar pela rede viária pré-histórica que subsiste na maioria do território nacional.

Pode ser objectado que, para isso, não seria preciso construir auto-estradas. Bastaria construir boas estradas, eventualmente vias rápidas. Mas seria o custo dessa alternativa suficientemente mais baixo para justificar a opção? Isso era o que eu gostaria de saber, mas ainda ninguém teve paciência para me explicar.

Opções de política económica são isso mesmo: apenas e só opções de política económica, todas elas com as suas vantagens e os seus inconvenientes. A teoria económica não nos oferece receitas prontas para lidar com as diversas situações. Oferece-nos um quadro rigoroso de pensamento que permite tornar mais claros os custos e benefícios de cada opção. Cabe-nos depois a nós, à luz dos valores que privilegiamos, decidir qual aquela que preferimos. O resto é mistificação.

(Quem estiver interessado em estudar com maior profundidade as teorias micro-económicas relevantes para este tema poderá consultar o Microeconomic Policy, de S. I. Cohen. Aproveito para recomendá-lo também ao Professor Nogueira Leite, que pelos vistos anda a precisar de uma revisão da matéria dada.)

16.3.05

Eleições municipais em Lisboa

O melhor candidato do PSD à Câmara Municipal de Lisboa é Rui Rio, tendo em conta a alta consideração em que na capital é tido o mau trabalho que tem feito à frente do município portuense.

Para aproveitar a boa onda, devolvia-se também o Quaresma ao Sporting.

Mude-se

Um referendo sem valor vinculativo é uma forma excessivamente dispendiosa e ineficaz de organizar uma sondagem.

11.3.05



Seurat: Domingo à tarde na Ilha da Grande Jatte, 1884-86.

Vozes

A decisão de substituir José Magalhães por Jorge Coelho no programa Quadratura do Círculo é uma má ideia, tanto do ponto de vista do interesse do programa para os telespectadores como do ponto de vista do próprio PS.

Nem Pacheco Pereira nem Lobo Xavier desempenham actualmente cargos directivos de relevo nos respectivos partidos. Estão portanto à vontade para exprimir, dentro de certos limites, as suas opiniões pessoais.

Não assim com Coelho. Salvo circunstâncias imprevistas, ele será sempre um simples porta-voz do PS, por muito penosa que essa situação venha a revelar-se para o próprio em certos momentos.

Ora, obviamente, não é isso que os telespectadores desejam. Nem tampouco, arrisco eu, aquilo de que o PS precisa.

// lisbonlab //

Recomendo uma visita ao Lisbonlab. Estreou-se com um interessante estudo sobre os blogues em Portugal e ameaça continuar.

10.3.05



Seurat: Banhistas em Asnières, 1884.

Epistemologia e futebol



Pois é verdade: o futebol não é, como diria o Gabriel Alves, uma ciência exacta.

Mas às vezes até parece. Só assim se explica que, mais Ronaldinho menos Ronaldinho, mais Deco menos Deco, mais expulsão menos penalty, mais escorregadela no momento do remate menos bola na trave, o Chelsea tenha eliminado o Barcelona.

É que, no fundo, isto é tudo muito simples: o Mourinho nasceu para ganhar, o Barcelona nasceu para perder.

O Mourinho disputou até agora duas competições europeias, e ganhou-as a ambas.

Quanto ao Barcelona - o clube mais rico do mundo ou perto disso- tem um palmarés internacional paupérrimo e sofre humilhação atrás de humilhação, a maior das quais foi aquela derrota a penalties na final de Sevilha contra o Estrela Vermelha, com os andaluzes a fazerem a festa e o meu amigo Oscar Pratts a viver o dia mais infeliz da sua vida.

Tirando o breve período em que quem lá mandou foi o Cruyff, o Barcelona não trabalha para ganhar, mas para vingar um ressentimento - e isso é-lhe fatal.

Se o Real Madrid cria uma equipa de galácticos, o Barcelona tem forçosamente que imitá-lo, até na toleima.

O resultado é que montou uma equipa de futebolistas vulgares abrilhantada com alguns dos mais fabulosos jogadores do planeta (Ronaldinho, Deco e Eto’o). E ainda deixa no banco talentos como Maxi Lopez e Giuly porque a maldita da FIFA só deixa jogar 11 de cada vez.

Quem disse que o futebol não é uma ciência exacta, quem foi?

9.3.05

Bom sinal, mau sinal

Desta vez, não concordo com o Paulo Gorjão .

Não só deve saudar-se a independência do espírito de destacados militantes do PS - coisa rara para aqueles lados - como nenhum líder político deve preocupar-se por ter adversários leais. O problema serão os outros - se os houver, é claro.

Boa notícia, má notícia

José Magalhães no Governo seria, a confirmar-se, uma boa notícia para os telespectadores da Quadratura do Círculo.

8.3.05

«Se fosse cá comigo, também les mandava a turrafia!»

7.3.05

I would prefer not to



«What is wanted?» said he mildly.

«The copies, the copies,» said I hurriedly. «We are going to examine them. There» - and I held towards him the fourth quadruplicate.

«I would prefer not to,» he said, and gently disappeared behind the screen.

For a few moments I was turned into a pillar of salt, standing at the head of my seated column of clerks. Recovering myself, I advanced towards the screen, and demanded the reason for such extraordinary conduct.

«Why do you refuse?»

«I would prefer not to.»

With any other man I should have flown outright into a dreadful passion, scorned all further words, and thrust him ignominiously from my presence. But there was something about Bartleby that not only strangely disarmed me, but in a wonderful manner touched and disconcerted me. I began to reason with him.

«These are your own copies we are about to examine. It is labor saving to you, because one examination will answer for your four papers. It is common usage. Every copyist is bound to help examine his copy. Is it not so? Will you not speak? Answer!»

«I prefer not to,» he replied in a flute-like tone.

(Extracto do conto Nicholas Bartleby de Hermann Melville)


Degas: A Orquestra da Ópera, 1870.

Estatística para o povo

Os meus dois últimos posts suscitaram diversos comentários, dos quais os mais interessantes me chegaram por email.

Deixarei de lado os que se concentram no lado futebolístico da questão, até porque, como imaginam, eu não podia estar-me mais nas tintas para a Taça de Portugal e para o Benfica.

Tratarei, portanto, das observações de carácter propriamente estatístico, porque é possível aprender-se alguma coisa com elas.

A primeira objecção que me fazem é que, em 1.000 sorteios, é mínima a probabilidade de saírem 500 fora e 500 em casa. Há aqui um engano. Há milhões de diferentes sequências possíveis de 1.000 sorteios em que 500 jogos são em casa e 500 são fora, pelo que a probabilidade individual de cada sequência é de facto ínfima. No entanto, a soma das probabilidades dessas diferentes sequências é, de facto, de 50%.

A segunda objecção é ainda mais interessante, visto encerrar um vício de raciocínio muito comum. Dizem-me que, para se saber se a sequência de sorteios que beneficiou o Benfica é ou não anormal seria necessário analisá-la no contexto de todos os anteriores sorteios para a Taça de Portugal envolvendo o Benfica, digamos os últimos 1.000. Lamento muito, mas isto é um erro, porque a probabilidade de o Benfica só jogar fora uma vez nos últimos 9 sorteios realizados é completamente independente do que se passou nos anteriores 991 sorteios.

A estatística é uma ciência fascinante, porque é a linguagem que a natureza e a sociedade usam para falar connosco. Para entendê-la é preciso conhecer os seus princípios fundamentais.

Acreditem ou não, aprender estatística é muito mais importante do que saber falar inglês. Foi principalmente isto que eu quis demonstrar.

4.3.05

Solução do problema proposto no post anterior

Não é fácil calcular com precisão a probabilidade da sequência de sorteios favoráveis de que beneficiou o Benfica nas duas últimas edições da Taça de Portugal. O que complica as contas é a possibilidade de um clube poder ficar isento quando, tendo sido apurado um número ímpar de equipas, uma delas tem forçosamente que ficar desemparelhada.

Mas podemos obter uma boa aproximação introduzindo algumas simplificações no raciocínio.

Começemos por pôr de parte a eliminatória em que o Benfica ficou isento. Perguntemo-nos primeiro qual a probabilidade de o sorteio decidir que uma dada equipa jogará 7 vezes em casa num total de 8 eliminatórias. Aplicando a distribuição binomial, chegamos imediatamente à conclusão de que a probabilidade de que isso aconteça é de apenas 3,1%.

Consideremos agora a possibilidade de que, para além de jogar em casa ou fora, uma equipa pode também ficar dispensada de jogar. Não sei exactamente qual é a probabilidade deste último acontecimento, mas é claro que é muito baixa. Para não exagerar, suponhamos que é 5%. Admitiremos então que a probabilidade de o sorteio determinar que a equipa jogará em casa é de 47,5%, que a de que jogará fora é também de 47,5%, e que a de ficar isenta é de 5%.

Nessas condições, a probabilidade de que, em 9 eliminatórias, um sorteio justo determine que a equipa jogará 7 vezes em casa, jogará 1 vez fora e ficará isenta 1 vez é, nos termos da distribuição multinomial, de apenas 0,93%, e, recorde-se, eu estou a facilitar.

É impossível que isto aconteça? Não, mas é de facto muito pouco provável.

Pelos vistos, nos clubes rivais (incluindo nas SADs do Porto e do Sporting, que se encontram pejadas de economistas e gestores), na Federação e na Judiciária ninguém sabe estatística. De outra forma, alguém teria pedido um inquérito às circunstâncias em que se realizam os sorteios para a Taça de Portugal.

O que me consola é que, depois deste post, aumenta imenso a probabilidade de o Benfica ter que jogar as próximas meias-finais em casa do seu adversário.

Cálculo de probabilidades

Na passada temporada, foi o seguinte o percurso do Benfica na Taça de Portugal até chegar à final. Primeiro, jogou em casa contra o Estrela. Na eliminatória seguinte, foi a única equipa isenta num sorteio envolvendo quinze clubes. A seguir, jogou fora contra a Académica. Nos quartos de final recebeu em casa o Nacional. Nas meias finais voltou a jogar em casa contra o Belenenses.

Na época presente, foi até agora o seguinte o percurso do Benfica na Taça de Portugal. Primeiro, recebeu em casa o Oriental. Depois, recebeu em casa o Oliveirense. Nos oitavos de final, recebeu em casa o Sporting Lissabon. Nos quartos de final, recebeu em casa o Beira Mar.

Reparem bem: nos últimos nove sorteios para jogos da Taça, o Benfica disputou 7 em casa, jogou 1 fora e ficou isento no outro. Qual é a probabilidade de uma coisa destas acontecer? Esperem um bocadinho, que eu vou ali fazer as contas.

Entretanto, o meu palpite é que, aplicando probabilidades a posteriori, o sorteio das meias finais ditará um jogo na Luz contra o Estrela da Amadora.

3.3.05

Um homem chamado Joly



O compositor Joly Braga Santos era nosso vizinho. Quer dizer, não era bem vizinho, mas a casa dele ficava apenas a uns vinte e três violoncelos ou cinquenta clarinetes da nossa.

Desde miúdo habituei-me a ver a sua figura excêntrica a apear-se do autocarro, com um ar completamente aéreo, caminhando a passos largos e bem marcados, para depois desatar rapidamente a correr, atravessando a rua sem aviso prévio e forçando os carros a travarem bruscamente para não o atropelarem.

O meu pai, que não o conhecia pessoalmente a ele de parte nenhuma, mas apenas a música que ouvia na rádio, cumprimentava-o de longe, e ele, temendo ser indelicado, parava para corresponder ao cumprimento. O meu pai aproveitava para lhe fazer perguntas sobre o que andava a compor, e ele dava sempre algumas explicações.

Por mim, sempre achei que um músico chamado Santos não é credível. Os grandes compositores respondem por nomes que fazem sonhar, tais como Beethoven, Prokofief, Debussy, ou, pelo menos, Villa-Lobos. Agora Santos, francamente!

E, como se isso não bastasse, Joly ainda por cima, que é nome de lap-dog!

Se calhar não era só eu que me deixava subjugar por estes preconceitos, porque cada vez acho mais Joly Braga Santos uma das figuras mais injustamente subvalorizadas da cultura portuguesa do século vinte. Ainda hoje, muita gente fica surpreendidíssima quando escuta uma das suas peças sinfónicas, porque não imaginava que a música de Joly merecesse sequer ser ouvida.

Escrevia há poucos anos um crítico da revista musical Gramophone: «A symphonist of some stature has been overlooked.» Yes, indeed!

Joly Braga Santos era esteticamente um não-alinhado, mas, pior ainda no contexto cultural da época, ao contrário de Lopes Graça, era-o também do ponto de vista político. Isso explica em grande parte, creio eu, a considerável negligência de que foi vítima. Quanto mais o tempo passa, mais isso se afigura uma enorme injustiça.

2.3.05



Degas: Esperando, 1882.

É para saberem como é dura a vida dos homens

"As mulheres modernas são também supostas ser boas na cama, profissionais competentes e estrelas nos salões" (Maria Filomena Mónica, PÚBLICO, 2-3-2005)

Post aberto

Caro Lutz,

Independentemente do que se escreveu no post do Barnabé, o que se tem passado nos últimos anos em torno da exposição pública do Papa deveria preocupar todas as pessoas que valorizam a dimensão espiritual da vida, sejam ou não católicas.

O que se está a passar agora não é, afinal, mais do que a continuação do pontificado-espectáculo que João Paulo II sempre privilegiou. Este homem gosta de se expor publicamente de uma forma que ofende os sentimentos de pudor de muita gente, em que eu me incluo. Os argumentos que se inventam para dar um sentido louvável a tudo isto são forçados e nada convincentes.

Não gosto disto, do mesmo modo que não gosto dos reality-shows. Espanta-me o silêncio dos católicos, ao verem que a Igreja desiste de ser uma potência espiritual e se resigna a ser uma força viva do show-business contemporâneo.


Degas: Aula de dança, 1874.

Um estado totalitário



O Papa descrê da democracia? Nem outra coisa seria de esperar.

Ora vejam.

No Vaticano não há eleições há 20 anos. Não são permitidos os partidos políticos. Os dissidentes são excomungados. Só há um único jornal autorizado, o Osservatore Romano. O poder judicial não é independente do poder executivo. O Chefe do Estado, que se pretende infalível, muda as leis a seu bel-prazer e não presta contas a ninguém. Vigora uma forma extrema de culto da personalidade. As Contas do Estado são secretas: ninguém sabe de onde vem o dinheiro, nem para onde vai. Quando as coisas correm bem, é Milagre; quando correm mal, é Mistério. Para cúmulo, o Vaticano infiltra os seus agentes nos governos, parlamentos, tribunais e empresas de países amigos.

O que é que as Nações Unidas esperam para intervir?

1.3.05

A ciência nova

O Acidental ameaça prosseguir o seu combate político-cultural por todos os meios e em todos os terrenos, incluindo, entre estes, os «mestrados e doutoramentos».

Leram bem: «mestrados e doutoramentos»! Depois da ciência proletária de Lyssenko, teremos agora a ciência conservadora e liberal d' O Acidental.