3.3.05
Um homem chamado Joly
O compositor Joly Braga Santos era nosso vizinho. Quer dizer, não era bem vizinho, mas a casa dele ficava apenas a uns vinte e três violoncelos ou cinquenta clarinetes da nossa.
Desde miúdo habituei-me a ver a sua figura excêntrica a apear-se do autocarro, com um ar completamente aéreo, caminhando a passos largos e bem marcados, para depois desatar rapidamente a correr, atravessando a rua sem aviso prévio e forçando os carros a travarem bruscamente para não o atropelarem.
O meu pai, que não o conhecia pessoalmente a ele de parte nenhuma, mas apenas a música que ouvia na rádio, cumprimentava-o de longe, e ele, temendo ser indelicado, parava para corresponder ao cumprimento. O meu pai aproveitava para lhe fazer perguntas sobre o que andava a compor, e ele dava sempre algumas explicações.
Por mim, sempre achei que um músico chamado Santos não é credível. Os grandes compositores respondem por nomes que fazem sonhar, tais como Beethoven, Prokofief, Debussy, ou, pelo menos, Villa-Lobos. Agora Santos, francamente!
E, como se isso não bastasse, Joly ainda por cima, que é nome de lap-dog!
Se calhar não era só eu que me deixava subjugar por estes preconceitos, porque cada vez acho mais Joly Braga Santos uma das figuras mais injustamente subvalorizadas da cultura portuguesa do século vinte. Ainda hoje, muita gente fica surpreendidíssima quando escuta uma das suas peças sinfónicas, porque não imaginava que a música de Joly merecesse sequer ser ouvida.
Escrevia há poucos anos um crítico da revista musical Gramophone: «A symphonist of some stature has been overlooked.» Yes, indeed!
Joly Braga Santos era esteticamente um não-alinhado, mas, pior ainda no contexto cultural da época, ao contrário de Lopes Graça, era-o também do ponto de vista político. Isso explica em grande parte, creio eu, a considerável negligência de que foi vítima. Quanto mais o tempo passa, mais isso se afigura uma enorme injustiça.
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