16.12.07

Outra vez a Marca Portugal

O grande argumento a favor da Marca Portugal é este: se os espanhóis têm uma marca país, nós também devemos tê-la.

Ora eu discordo da ideia por razões de princípio.

Comecemos pela confusão terminológica. Quando eu admito que Portugal tem necessariamente uma carga simbólica associada não tenho que admitir que se trata de uma marca. Por outras palavras, nem todos os símbolos hão-de ser marcas.

É intrínseco ao conceito de marca ela ter um dono. Acontece que o nosso país, hoje, não tem dono.

Houve um tempo em que teve, e houve também por isso um tempo em que teve uma Marca Portugal. Refiro-me ao trabalho realizado pelo Secretariado Nacional para a Propaganda (depois Secretariado Nacional para a Informação, apreciem o eufemismo) e pelo seu líder António Ferro, que, em estreita associação com Salazar, concebeu não só a Exposição do Mundo Português como o melhor slogan de promoção do país no exterior jamais inventado: "Portugal, o segredo mais bem guardado da Europa".

Se tivéssemos memória colectiva conheceriamos o que esses homens fizeram e saberiamos que eram gente competente e tecnicamente bem preparada.

Hoje, porém, nas nossas sociedades abertas e plurais, consideramos justamente inadmissível que alguém defina o que o país é e como deverá ele apresentar-se exteriormente, pois é nisso mesmo que consiste a selecção de um posicionamento nacional. Como pode então o Governo, ou o AICEP, ou seja lá quem for, obrigar milhares de empresas e milhões de portugueses a comunicarem a uma só voz? Absurdo, não é verdade?

Há dois anos, quando convivi ao longo de vários dias com Wally Wolins - um dos profetas das marcas país e a pessoa que há década e meia foi chamada pelo governo português para orientar um projecto desse tipo - coloquei-lhe precisamente essa questão.

Estava à espera de uma acesa disputa, mas, para minha grande surpresa, concordou logo comigo. "É evidente que numa sociedade livre", disse-me ele, não necessariamente por estas palavras, "ninguém tem o poder de impor aos outros uma ideia do país. A única possibilidade consiste em construir sobre o que é consensual, ou seja, sobre uma ideia do país com a qual quase todos possam estar de acordo."

Bom, isto é desanimador para nós, pois Portugal é precisamente aquele país no qual o exacerbado e quase doentio sentido crítico dos seus habitantes impede que se ponham de acordo sobre o que quer que seja.

"Então", alvitrou ele, "talvez seja esse o ponto de partida sobre o qual se deva construir a Marca Portugal. Mas notem que os irlandeses também são assim!"

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