14.1.08

Alcochete e depois

O primeiro-ministro precisou de poucas horas para ler o complexo relatório técnico de mais de 350 páginas elaborado pelo LNEC e fazer a sua opção. Desde o tempo do Engº Ferreira do Amaral que não se tomavam decisões de tal importância para o futuro do país com esta rapidez. Será coincidência?

Picardias à parte, o relatório do LNEC conclui que, objectivamente, é pequena a diferença entre as duas alternativas em causa.

As mirabolantes poupanças prometidas pelos autores do estudo apresentado pela SIC e amplamente divulgados por uma imprensa completamente irresponsável reduzem-se afinal uns meros 5% do valor total do investimento, e ainda assim somente se aceitarmos como bons pressupostos altamente discutíveis, tais como: a) não imputação dos custos da travessia à solução Alcochete; b) imputação dos custos do novo campo de tiro também à opção Ota; c) não consideração de outros custos de compensação da Força Aérea; d) valorização a preço zero dos terrenos de Alcochete, desprezando o seu custo de oportunidade; e) expectativa de que a UE comparticipe por igual as duas localizações; e f) subestimação evidente dos custos de movimentação de terras em Alcochete (só este ponto dava um romance).

Quanto à muito propalada superioridade das movimentações horárias conseguidas em Alcochete relativamente à Ota, o próprio relatório indica que seriam necessários estudos mais aprofundados para confirmá-la visto que a comparação não assenta em pressupostos semelhantes, prevenção que tem sido cuidadosa e deliberadamente omitida pelo Presidente do LNEC nas suas intervenções públicas.

Nestas condições, é evidente que, com a sua decisão, Sócrates pretendeu antes de mais livrar-se de uma polémica que fugira ao controlo do governo, porque se sentia incapaz de enfrentar os lóbis favoráveis a Alcochete. Julga que assim matou o problema, mas engana-se redondamente. Na verdade, criou outros, porque agora muita gente e, o que é mais, muitos grupos de interesse terão ficado convencidos de que, afinal, fazendo-se um bocado de barulho, o governo abana e cede.

O mais grave de todo este caso é que o debate da infra-estrutura mais importante do país caíu literalmente na rua. As responsabilidades são múltiplas e de grau variável, mas o facto indiscutível é que a localização do novo aeroporto de Lisboa não foi decicida pelo poder democraticamente eleito, mas pelos lóbis que mais têm a lucrar com a alternativa Alcochete.

Se alguém ainda tivesse dúvidas, lembro que já na 6ª feira passada o Professor Viegas veio a terreiro informar que caber-lhe-á a ele e aos seus colaboradores dizer-nos onde ficará situada a nova travessia do Tejo, se será uma ou se serão duas, e ainda se serão duas pontes ou uma ponte e um túnel. E é claro que o Professor Viegas não tenciona concorrer a eleições para submeter a sufrágio os seus projectos.

Só quem não quer é que não vê o perigosíssimo precedente criado por este caso.

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