11.1.08

Outra vez o marketing político

As divergências entre mim e o Luis Jorge a propósito da relevância do chamado marketing político (e que ele fez o favor de explicitar aqui) são provavelmente de detalhe, mas esse detalhe tem alguma importância.

Quando uma ideia funciona bem num determinado contexto é irresistível a tentação de experimentar se não terá um domínio mais vasto de validade.

O marketing é um conceito com mais de um século de existência que, para espanto geral, se revelou útil numa enorme variedade de situações no mundo empresarial. O passo seguinte foi estendê-lo a áreas cada vez mais afastadas dos negócios, de tal modo que se fala hoje com toda a naturalidade de coisas à primeira vista tão inesperadas como o marketing de países, o marketing de pessoas ou o marketing político.

Tenho alguma experiência de actividade política e alguma experiência de gestão de marketing, e é por isso mesmo que me tornei altamente crítico do marketing político. Naturalmente, aconteceu-me usar numa área algumas coisas que aprendi na outra; mas não me passa pela cabeça fazer marketing com ideias políticas ou política com conceitos de marketing.

Julgo ter boas razões para isso. A primeira, muito terra a terra, é que os bons políticos não têm nada a aprender com especialistas de marketing e publicidade acerca de estratégia ou comunicação. E nem é preciso mencionar personalidades de todo excepcionais como Churchill para justificar essa afirmação, basta pensar nos casos algo mais comuns de Mário Soares ou Bill Clinton.

Num plano mais profundo, as razões essenciais da escassa relevância do marketing para a política são três:

a) Uma personalidade política é uma realidade incomparavelmente mais complexa do que o mais complexo produto;

b) Na sociedade actual hiper-mediatizada, é impossível um político fingir por muito tempo ser aquilo que não é;

c) A expressão "vender um político" é uma metáfora coxa. visto que, de facto o voto é grátis, não tem um preço a priori.

É evidente que a política contemporânea recorre a certas técnicas, como os inquéritos de opinião ou as relações públicas, que fazem parte do arsenal da gestão de marketing contemporânea, mas não devemos tomar a nuvem por Juno.

PS - O Luís considera que o público americano não conhece Obama tão bem como eu suponho. Ora o que eu imagino é que, após ouvirem-no alguns minutos, muitos eleitores terão percebido: a) que ele é negro; b) que ele é um negro "respeitável", a não confundir com Jesse Jackson ou Martin Luther King; c) que ele é o único candidato que nunca insistirá nos problemas dos negros americanos; d) que ele é o único possível presidente que jamais tomará nenhuma iniciativa específica destinada a minorar os problemas dos negros; e) que ele é o candidato ideal para aliviar os sentimentos de culpa dos eleitores democratas que têm sentimentos de culpa em relação à questão racial. É preciso saber mais alguma coisa?

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