Qualquer pessoa bem informada sabe que, esta semana, o Papa Bento XVI foi impedido de proferir uma conferência na universidade La Sapienza por um pequeno grupo de professores e alunos que denunciaram declarações por ele alegadamente produzidas em 1990 em defesa da posição assumida pela Inquisição na sua condenação de Galileu ocorrida há quatro séculos.
Não ignora tampouco que toda esta movimentação académica assentou numa falsidade, dado que Ratzinger se limitou na mencionada intervenção a citar a opinião do filósofo da ciência austríaco Paul Feyerabend, tendo mesmo aproveitado essa ocasião para se demarcar dela.
Pois é, todos sabemos isso. Mas acontece que essa versão dos acontecimentos, diligentemente propagada por um numeroso coro internacional de papagaios (entre os quais o inevitável Vasco Pulido Valente) é falsa.
Ninguém proibiu o Papa de falar. Um grupo de pessoas criticou o convite dirigido por Renato Guarini, o reitor da universidade romana, a Josef Ratzinger - um direito que ninguém lhes pode negar, por muito disparatada que possa ser a sua opinião. A iniciativa de cancelar a conferência partiu do próprio Papa, segundo o cardeal Tarcisio Bertone para evitar "protestos desagradáveis". Por outras palavras, o chefe do Vaticano não estava disposto a sofrer contestações, o que também se compreende, até porque ele não é nenhum Cristo.
Acresce que, como se pode constatar pela leitura do texto lido pelo futuro Papa há 17 anos atrás (ver o meu post anterior), as suas declarações de então configuram de facto uma polémica contra a ciência moderna e uma tentativa de apagar da memória histórica o obscurantismo de que, durante séculos, a Igreja deu provas.
O recurso à citação de Feyerabend foi um mero expediente de retórica a que Ratzinger já nos habituou: quando quer dizer algo que pode implicar algum risco, arranja alguém que o diga por ele. Lembram-se da citação do imperador bizantino dirigida contra Maomé?
O espantoso disto tudo é que, num mundo em que a informação circula com tanta facilidade e rapidez, seja tão fácil pôr a circular uma versão que deturpa de forma tão grosseira os factos. Que bloggers permanentemente excitados e indignados agarrem neste episódio para agitar o espantalho de um renascimento das perseguições religiosas, ainda vá; mas é muito mais difícil entender que directores de jornais e comentadores com grande impacto se ponham a denunciar a repressão do direito de expressão do chefe da Igreja Católica sem procurarem sequer inteirar-se do que foi efectivamente dito e escrito.
Como será possível uma opinião pública informada nesta situação de permanente cacofonia mediática?
18.1.08
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