4.10.03

A rotina das demissões. Mais uma vez, não posso deixar de concordar com Pacheco Pereira. Esta coisa de se pedir a demissão dos ministros por dá cá aquela palha (embora não seja esse, acho eu, o caso de Pedro Lynce) é, talvez, a herança mais negativa que o governo socialista deixou ao país. A título de exemplo dos seus malefícios, chamo a atenção para o facto de que, apesar de só ter havido dois governos nesse lapso de tempo, o país teve cinco ministros das obras publicas em cinco anos, um facto desastroso para uma área onde quase tudo o que se faz demora anos e anos a preparar.

Na origem desta prática excêntrica estiverem dois factores.

O primeiro, puramente pessoal, foi a fraca predisposição de Guterres para aguentar ministros caídos em desgraça. Era assim que a vítima, sentindo a faquinha cravada nas costas, preferia deixar-se cair e fazer-se de morta.

O segundo, mais sério, tem que ver com a confusão que reina entre nós entre culpa e responsabilidade, aliás típica de um país onde não se entende o que esta última quer dizer. O exemplo mais evidente desta incompreensão foi a demissão de Jorge Coelho na sequência da queda da ponde de Entre-Rios.

Porque raio haveria o ministro de se demitir? Evidentemente, ele era responsável, porque nada do que se passava no seu ministério poderia deixar de envolvê-lo. A responsabilidade não é alienável, sequer, pela delegação de competências neste ou naquele indivíduo. A responsabilidade não é delegável. Mas isso não implicaria automaticamente a necessidade de se demitir.

Imaginemos que o ministro tinha sido informado de que a situação da ponte era muito grave, e tinha ignorado o aviso. Ou que tinha dado instruções no sentido de reduzir as despesas de manutenção com as pontes, apesar de estar consciente de que isso poderia ter consequências catastróficas. Nesses casos, obviamente, a responsabilidade coincidiria com a culpa, e só lhe restaria o caminho da demissão.

Poderia também suceder que, na sequência do desastre, o ministro se mostrasse incapaz de retirar todas as consequências do sucedido. Que não abrisse imediatamente um inquérito, que criasse uma comissão incluindo os presumíveis responsáveis ou que procurasse obstaculizar o apuramento da verdade. Que procurasse proteger os responsáveis. Que não tomasse as medidas urgentes destinadas a reparar o que pudesse ser reparado. Se algo deste género sucedesse, à responsabilidade objectiva somar-se-ía uma culpa que só poderia ter como consequência a demissão.

Mas o critério crucial para decidir qual o tipo de responsabilidade que está em causa e que consequências ela deve ter é necessariamente o bem público. É positiva a demissão que fortalece o governo do país e do Estado, é negativa aquela que o prejudica.

Ora o que é que o país ganha quando é afastado um ministro cuja actuação, de facto, em nada contribuíu para os acontecimentos em apreço? Obviamente, nada.

Estou consciente de que esta é uma abordagem demasiado rápida de um problema tão sério. Mas acredito que as questões essenciais são de facto estas.

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