Se alguém diz que a distinção entre esquerda e direita não faz sentido, é porque é de direita.
É assim e sempre foi assim. Vejamos porquê.
Como já disse num post anterior, há uma assimetria fundamental entre a direita e a esquerda: a direita defende o que está ou o que esteve, a esquerda algo que não existe mas acredita que pode ser criado.
(Antes do 25 de Abril, as pessoas que apoiavam o regime eram classificadas como «da situação». É isso mesmo, a direita é a situação.)
O grande argumento da direita (inspirado no amigo Hegel) é que tudo o que é real é racional, ou seja, existe por muito boas razões. As pessoas ignorantes criticam as desigualdades e as injustiças porque não entendem que elas desempenham uma função útil, o que quer dizer que, se não existissem, as coisas ainda seriam piores do que são.
(Note-se, de passagem, que este argumento tem um certo valor, e às vezes pode mesmo ser decisivo. Se assim não fosse, o debate entre direita e esquerda não teria graça.)
Logo, a direita procura fazer-nos acreditar que a situação que vivemos e de que nos queixamos, por muito desagradável que seja, está na natureza das coisas. Antigamente sustentava que tal era a vontade de Deus, e contra isso batatas. Hoje, que os tempos são laicos, busca argumentos nas ciências naturais e humanas, principalmente para demonstrar que a natureza humana traça limites bem claros ao que é ou não razoável esperar-se e exigir-se a sociedades humanas.
(A esquerda não necessita de postular que a natureza humana é intrinsecamente boa, mas as ideias da direita caem por terra sem a crença na natureza intrinsecamente má do homem. O «bom selvagem» foi um contra-mito destinado a minar a ideologia dominante da época. O cristianismo primitivo foi outro.)
Logo, se aquilo que a direita sustenta é mero bom-senso suportado num sábio entendimento de que as coisas são o que são e as ideologias valem o que valem, a distinção entre a direita e a esquerda tem forçosamente que ser apresentada como uma vã ilusão. Daí que a direita usualmente rejeite o epíteto de direita. O que ela de facto se considera é competente, conhecedora, objectiva, rigorosa e séria.
A negação da validade da distinção entre direita e esquerda é condição suficiente, mas não necessária, para se ser de direita. De facto, a direita radical singulariza-se por exibir orgulhosamente o distintivo da direita para assim se demarcar dos conservadores bananas que, a seu ver, contemporizam com a esquerda.
Essa direita radical está descontente com o que existe, por isso não o assume como natural. Ela quer voltar atrás, muito atrás, usualmente a um passado mitificado que nunca verdadeiramente existiu. O nazismo (com o seu paganismo inspirado nas velhas lendas germânicas) e o fascismo italiano (saudosista de um império romano de opereta) foram versões extremas dessa tendência.
Naturalmente, há-de chegar um dia em que a oposição direita-esquerda deixará de ser relevante. Mas, nesse dia, não será decerto necessário proclamá-lo.
29.10.04
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