Ora aí está o que é. Não foram precisos dois meses para se tornar claro perante todos o que vale o governo de iniciativa presidencial do Dr. Santana Lopes.
Tirando o Dr. Jorge Sampaio, aliás, já toda a gente sabia do que a casa gasta. A gente contemplava o estranho caso do casino volante, meditava um pouco, e entendia o que estava ali em jogo. Não assim o Dr. Sampaio, que, como bom agnóstico, necessita de ver para crer.
A bem da verdade, não começou ontem a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Os sempre exaltados Descobrimentos de quinhentos, por exemplo, foram organizados segundo esse mesmo modelo. Esse é um dos problemas centrais que temos cá ma terra, e, se não começarmos resolvê-lo, dificilmente passaremos da cepa torta.
Que desconhecidas competências de executivos, que experiência de gestão possuem essas hordas de ex-ministros que os grupos económicos entre si disputam a peso de ouro? A sua oferta de valor é o tráfico de influências, a capacidade de afectar positivamente decisões de grande valor económico o seu core business.
Agora, o lumpen-capital encontrou o governo que de facto lhe convém. O resultado é a lumpen-política que, de tanto nos fazer rir, ainda vai acabar por fazer-nos pensar.
Vai uma grande confusão no governo da coligação PPD/ PSD/ CDS/ PP/ Lux/ Gigi/ Carlyle, porque o chefe se irritou com um programa de televisão e mandou um moço ministro fazer ameaças públicas. A televisão é um ponto sensível para o primeiro-ministro. Ele pode admitir não entender de economia, de música de Chopin, até de casinos - mas em matéria de televisão, não admite ceder a primazia a ninguém.
Diz o chefe do governo que os seus adversários têm que provar que ele quis coarctar a liberdade de expressão, que não basta fazerem insinuações. Como assim? Pois se o ministro foi suficientemente inábil ao ponto de fazer as ameaças em público, e se o primeiro-ministro veio a terreiro secundá-lo!
A política é uma aventura maravilhosa. As suas surpreendentes evoluções parecem saídas da imaginação do mais brilhante guionista. Há apenas uma semana, o Presidente da República era a imagem da impotência, agora tem de novo a faca e o queijo na mão.
Entregue a si mesmo, porém, é incapaz de fazer seja o que for. Mas talvez venha a ser empurrado por esta crescente revolta do PSD contra o PPD, desde há horas encabeçada pelo próprio Cavaco Silva que, como agora se confirma, sempre é um bom português.
De maneira que tudo isto ainda pode acabar em bem. Em primeiro lugar, com um pouco de jeitinho, Santana Lopes pode vir a ser afastado do poder a breve trecho. Em segundo lugar, está em curso uma cisão no PPD/ PSD, o partido herdeiro da União Nacional, um notável fenómeno político camiliano, o albergue espanhol de interesses que melhor representa a excepcionalidade portuguesa.
O futuro PSD será um partido muito melhor do que este que conhecemos: urbano, moderno, civilizado, sério, purgado de albertos joões e de empresários da treta. Mas é claro que, precisamente por isso, será um partido relativamente pequeno sem condições para disputar a maioria eleitoral.
8.10.04
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