Conheço países onde se paga portagem nas auto-estradas. Conheço outros países onde não se paga nada. Não há verdades absolutas nesta matéria, pois cada possibilidade corresponde a certas opções relativas à política de transportes, à organização do território, etc.
Conheço um outro país onde se paga numas auto-estradas, não se paga noutras, e ainda há pagamentos «virtuais» noutras, sem que seja claro o critério. Estou certo que vocês também conhecem esse país.
Agora apareceu um profeta que, ao menos, parece ter uma ideia clara: o princípio do utilizador-pagador. Armado dessa doutrina, cuja vantagem mais evidente é poupar dinheiro ao OGE, avançou rapidamente sobre as SCUTs e, sob uma tempestade de aplausos dos comentadores, declarou que vai começar a cobrar aí portagens. É de homem!
Mas agitaram-se prontamente as populações, os camionistas e os autarcas, e a coragem do nosso homem caiu logo para níveis mais moderados. Afinal, ele fora mal entendido: as pessoas não vão ter que pagar quando circularem nas auto-estradas num raio de 30 kms à volta de sua casa. Vai criar-se um sistema de identificação tipo Via Verde que permitirá verificar automaticamente se uma viatura está ou não na sua zona de residência. É claro que, para isso, as pessoas terão que obter primeiro certidões da sua junta de freguesia.
Por conseguinte, as pessoas que mais frequentemente utilizarem um determinado troço de auto-estrada não vão pagar. Com a ajuda de um primo que mora um pouco mais longe talvez consigam até uma segunda certidão de residência e um segundo identificador que permitirá aumentar para 60 kms a distância que podem fazer à borla. Quem pagará então portagem nessas auto-estradas? As pessoas que mais raramente lá passam - como eu, por exemplo.
E eis que chegámos assim a um novo princípio: o do não utilizador-pagador.
Mas esperem! Se ele é isso, eu acho que nós, os habitantes de Lisboa, também não devemos pagar portagens num raio de 30 kms em torno da nossa residência. Por exemplo, deixaremos de pagar portagem na auto-estrada de Cascais, na auto-estrada de Lisboa a Setúbal e, já agora, nas duas pontes sobre o Tejo, dado que manifestamente não há alternativa. Apenas terão que pagar os habitantes de Carrazedas de Ansiães quando vierem à capital.
É justo, digo eu. Estávamos nós para aqui a protestar e, afinal, a razão estava toda do lado do ministro. Quando bem interpretado e aplicado com bom-senso, diálogo e moderação, este princípio do utilizador-pagador significa que, afinal, ninguém terá que pagar nada.
28.10.04
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